Comprei um cheiro imaginando que ganharia de brinde uma viagem para novos sonhos. É sempre assim quando compro um perfume. Sinto como se houvesse me transformado em um novo homem. E preciso me renovar. Afinal, quero escrever meu livro. Ou melhor, quero publicar em livro aquilo que já escrevi em mim. Desejo a liberdade ingênua para continuar acreditando. Ser feliz para poder distribuir minha felicidade. Doar para continuar ganhando.
Comprei um novo cheiro e, com ele (como sempre), projeto novas possibilidades para antigos projetos ainda não satisfeitos. Voltar a velejar, tocar na noite eventualmente, ter produção regular com meu artesanato em prata e escrever, escrever, escrever. Tudo isso, é claro, compatibilizando as agendas de forma a poder trabalhar, cuidar da família, acompanhar as crianças nas lições de casa e assistir encantado ao passeio das moças bonitas pelas ruas enquanto aguardo o trànsito fluir.
Comprei um cheiro novo e não perdi a pretensão aos sonhos. Mas tenho uma certa dificuldade. Ainda não me acostumei com ele porque talvez não seja o cheiro ideal. O tempo e os rastros vão dizer. Cheira bem, entretanto. E não acho que farei feio quando estiver bem vestido, vistoso e visível. Coisa dos sonhos. Estarei cheiroso. Neste momento, mal vestido como sempre ando, pareço uma incongruência para os sentidos alheios. Tenho cheiro bonito de aparência desleixada. Mas, cá entre nós, pior seria se o cheiro fosse feio.
Comprei um cheiro novo e sei que ninguém enxerga. Não pense que estou louco pois ainda compreendo que o olfato não vê. Como também sei que há certos cheiros que parecem feios. O cheiro da morte, por exemplo. Às vezes, nem tem cheiro. Mas cheira à morte e, portanto, é feio. Como têm cheiro horroroso (o mesmo cheiro) o corrupto, o omisso e o hipócrita. Juntos, formam uma cesta de frutas mal cheirosas em uma sociedade que ainda frutifica esses tipos de venenos.
Comprei um cheiro novo e não sei muito bem o que faço com ele, eu já disse. Não é o cheiro com o qual estava acostumado. Mas ando meio saidinho e cheio de desejos. Quis mudar alguma coisa aqui dentro do peito (ou da barriga, ou das pernas ou, porque não?, nos próprios pêlos). O desànimo é um gambá acomodado, que exala maus odores e deixa a pele da gente impregnada com seu fedor. Mas o caso seria para produtos de limpeza e não para novos cheiros...
Comprei um novo cheiro e você já deve estar cansado desse começo. Eu, por exemplo, já nem sei quais eram os sonhos. Mas é uma questão de estilo e meu problema de momento não diz respeito à estilística. De fato comprei um novo cheiro, caro, sofisticado e estrangeiro. E não são tempos para desperdiçar dinheiro nem cheiros. Por isso, oscilo entre assumir o que exalo ou esquecer para sempre. Eu ficaria amargurado e sem perfume, arrependido e sem dinheiro.
Comprei um novo cheiro e nem posso devolver à lojista, simpática e perfumada, porque abri a embalagem e experimentei a essência ainda no congestionamento. Assim, o dinheiro virou cheiro e eu, que deveria desfilar todo galante e satisfeito, percebo que o sonho (que viria com o cheiro) mais se parece com um pesadelo fedido. No fundo, acabo não mudando nada, mas fico com o perfume com o qual até já estou me acostumando.