Meu velho zippo está de volta. É um isqueiro que já acompanhou muitas das minhas andanças. Ele estava caído no chão do carro. A Rê o encontrou no fim de semana. Hoje, resolvi pegá-lo. A latinha de fluído ainda fica na gaveta do escritório. Daqui a pouco, vou reabastecer o poderoso acendedor à prova de vento.
Este isqueiro foi presente do Beto, meu irmão. Tem um brasão comemorativo dos 50 anos da invasão da Normandia pelos Aliados, em 1944. Não sei se é coisa do inconsciente, mas acho curioso retomar o meu acendedor de cigarros marcado pela Guerra em um momento tão próximo de outra Guerra.
O zippo é um símbolo guerreiro. Era o isqueiro das tropas norte-americanas na II Guerra. É só assistir aos filmes de John Wayne, Errol Flyn e Robert Mitchum para identificá-lo. O barulhinho para abrir e fechar é inconfundível.
Eram tempos em que uma das preocupações de um soldado em trincheira residia em não acender cigarros de três pessoas em sequência. Porque, no primeiro cigarro, o inimigo seria alertado pela chama (Ã noite) e pelo barulho do isqueiro. No segundo, faria mira. No terceiro, atiraria.
Alguns amigos vão ler este texto e me cobrar. Isso não é hora de lembrar desses símbolos antiquados da propaganda de beligerante norte-americana. Desculpem, mas eu pertenço à geração que brincava de guerra na calçada com armas de plástico. Para nós, meninos daqueles tempos, o sonho era ser o Sargento, de Combate, uma série de TV dos anos 60.
Brincávamos de guerra na mata que ainda existe atrás do museu de zootecnia da USP, no Ipiranga, do lado do Colégio São Francisco Xavier. Fazíamos incursões pelas "florestas" das nossas "Filipinas" simulando preocupação com bombas adversárias e andando furtivamente entre as folhagens, Ã espera de um franco-atirador.
Lembro que, em uma dessas expedições, ao invés de acharmos os inimigos (inimigo era sempre o grupo de amigos do quarteirão que perdia no jo-quen-pó), demos de cara com um homem fazendo seu cocozinho escondido. Os gritos revelaram nossa posição, mas a vitória inimiga foi anulada. Susto não fazia parte da brincadeira.
É evidente que os jogos de guerra de minha vida ficaram para trás. Depois da guerra do Vietnam e de filmes como Platoon, de Oliver Stone, querer ser herói, mesmo que de mentirinha, deixou de figurar entre os meus objetivos pessoais. Desde então, aliás, é muito difícil assistir a esse tipo de filme sem achar que estão querendo me enganar.
Mas eu falava do velho zippo e sobre o fato de não saber o porque de querer resgatá-lo justo agora. Já não tenho mais a ingenuidade dos tempos do Ipiranga. Também sei que a guerra não é solução. Até o cigarro, hoje, é meu inimigo.
Talvez, no fundo, esteja querendo reviver as fantasias de menino, quando o sonho era usar um isqueiro desses e o grande risco da guerra era encontrar alguém fazendo as suas necessidades no meio do mato.