Tenho quatro filhos. Iguais perante a lei, diante dos nossos olhos e de acordo com o que ditam nossos corações. Suas origens são diferentes. Mas isso não tem importància nenhuma. Como não podíamos ter filhos por fabricação própria, eu e a Rê adotamos. Participou ativamente desse processo o Gabriel, filho do meu primeiro casamento, que mora conosco há cerca de 10 anos. João Paulo, Mónica e Jéssica entraram em nossas vidas em abril de 1997.
Ainda há quem nos olhe com espanto. "Vieram os três juntos, de uma vez?", perguntam as pessoas. Sim, vieram de uma vez e revolucionaram a realidade doméstica. A população da casa aumentou 100% com a chegada deles. "Puxa, vocês têm coragem!", dizem. Respondo que não. Coragem tiveram nossos filhos que nos aceitaram e nos amam.
Há quem reaja como se eu estivesse brincando. Mas não é brincadeira, não. Uma criança abandonada precisa percorrer um caminho enorme para voltar a amar. E voltar a amar significa voltar a confiar. É difícil amar e confiar quando já se foi abandonado pelas pessoas amadas. É assim com os adultos. Por que seria mais fácil para as crianças?
Já escrevi certa vez que as instituições para abandonados são depósitos de náufragos. Não porque as crianças sejam maltratadas, mas porque elas são sobreviventes de naufrágios familiares. Para elas, amar novamente é como voltar a navegar em mar aberto. É preciso superar o medo da água. Por isso nossos filhos são tão corajosos. Aceitaram confiar e amar novamente. Hoje, navegam conosco.
"Vocês são pessoas iluminadas!", dizem. Em tempos de apagão essa até que não seria má idéia. Mas não há nada de iluminação em buscar realizar um projeto próprio de família. Eu e a Rê queríamos ter filhos e os conseguimos pela adoção. Não foi benemerência ou caridade. Realizamos um sonho por amor, não com pena.
Compreender esse mecanismo é fundamental para que todos cresçamos. A admiração pelos adotivos (pais ou filhos) traz em si uma discriminação sutil. Por que pais que adotam merecem olhares diferenciados daqueles que geram seus filhos? Afinal, são pais como quaisquer outros. Laços sanguíneos ou adoções não tornam pais ou filhos diferentes. Representam apenas formas diferentes para se constituir uma família.
Entender essa sutileza pode colaborar significativamente para que muitas crianças abandonadas ganhem famílias de verdade. E para que muitas pessoas que desejam filhos criem coragem para admitir seus medos e conquistem seus próprios destinos. Hoje, o grande inimigo das adoções é o preconceito. Um sentimento tão arraigado que não aparece claramente. Admitir esse preconceito é o primeiro passo para aceitar que famílias adotivas são famílias normais. Somos apenas filhos e pais, sem adjetivos. Porque a questão do abandono de crianças não depende de qualificações. A realização de uma família também não. Afinal, amor é substantivo.