Perdão é recomeço. E recomeçar é recomendável, sempre. É necessário, aliás. Mais do que isso: é fundamental. Recomeçar a partir do perdão é lavar o corpo sujo e ter a mente sã com os olhos voltados para o futuro. Perdoar é zerar os cartões amarelos, eliminar os pontos da carteira de motorista, é queimar o livro das contabilidades mesquinhas. Perdoar é podar a planta ressequida para que possa renascer.
A considerar os preceitos de algumas religiões, o perdão é um instrumento democrático. Perdoa-se a ricos e pobres, a sovinas e perdulários, a tarados e frígidas, a idiotas e gênios. Perdoa-se o parceiro infiel, o funcionário larápio e o chefe injusto. Perdoa-se a mulher lasciva, o vizinho barulhento e o autor daquela música horrorosa.
Perdão é para todos, quase como o Sol. É claro que existe a noite e os casos de rancor sombrio que afastam a luz e o perdão. Nesses momentos, não há muito o que fazer. O perdão custa uma eternidade. Não conceder perdão seria imperdoável se o perdão não fosse o mais genérico dos gestos generosos. Afinal, até a falta de perdão merece perdão.
E nunca se deve esquecer que recomeçar não depende apenas do saber perdoar, mas, principalmente, de se reconhecer perdoado, ou, melhor, de aceitar o perdão. Pois há aqueles que erram e não admitem o erro. Há aqueles que agridem e não sentem o peso da própria mão. E há, ainda, os que erram, reconhecem, mas não aceitam o perdão.
E quem foi que disse que o perdão é uma atitude educada? Perdoar não é nada social, assim, como servir chá com bolachas. Perdoa-se à revelia, pois.
Cuidado com o falso perdão, porém. Às vezes, perdoar é instrumento de guerra. Não se perdoa, agride-se. Falar "eu te perdoo" é dizer "foda-se". O perdoar, nesses casos, é feito cusparada. Escorre pelo rosto do perdoado que, sem ação, limpa a gosma com a fralda da camisa, engole em seco e segue seu curso, sem perdão.
Prefiro o perdão da pessoa ferida que, apesar (e por causa da ferida), perdoa para dar mais uma chance ao sonho. É o perdão da esperança. Perdão que é cerimónia de iniciação, rito de passagem da vida mundana para a esfera dos especiais. Só quem perdoou ou já foi perdoado nessas condições sabe o que é isso. É sopro de vida, é chuva no deserto.
Assim, perdoar é um ato de amor. E não existe amor que não recomece. Recomeçar é amar e perdoar é recomeçar amando. Perdóo porque amo. Amo porque recomeço. Recomeço porque houve perdão.