CABOCLA.
Ana Zélia
Quem te encrudeleceu, transformou tua alma ardente em cinzas?
Quem?
O Sol que te queima a pele protegida pelo chapéu de palha.
Tuas mãos dilaceradas, grossas, pelo manejo da enxada, terçado, do arrancar da terra a mandioca.
Do raspar a casca para o preparo da farinha.
O forno quente queimando o corpo e o suor derramando sobre ele.
O roçado que preparas para um novo plantio.
As lágrimas caem de teus lindos olhos amarelados pelo ódio.
É a destruição da natureza em favor da vida.
Tombam grandes árvores. Em seu lugar o capim do gado, o roçado.
Choras. O sangue das árvores goteja como tuas mãos.
Antes a caneta delicada, os sonhos da advogada, hoje, o machado frio destruindo vidas, almas.
Cabocla. Tornaste-te fria, cabisbaixa. O terror em teus olhos demonstra o quanto temes a vida, os homens.
_ Preguiçosa! Cabocla não faz nada.
_ Não pagas o que comes!
Palavras carinhosas não escutas. Elas mudaram de sentido.
O cansaço se une ao ódio e vai a alma e gritas num dia de delírio.
_ AI DOS VENCIDOS!
Quando eu for gente jamais me farão ver ou fazer tombar uma árvore, uma vida...
Minhas mãos, minha mente, meu grito se fará ouvir.
É a ilusão. O caboclo, colono, agricultor, como queiram não chegará a nada...
A credibilidade lhe é negada.
A raça é forte e se rebela.
Caboclo vira doutor, escritor, senhor.
Cabocla se transformou, vive na cidade, longe daquela selva bela, repleta de mistérios onde se via o esplendor da lua, o brilhar das estrelas, o coaxar dos sapos, o urro das onças, o piado triste das corujas, o cantar do galo, dos pássaros. A selva fria é aqui.
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Nota da autora- Aos 20 anos de idade, me transformaram em agricultora. Obrigada a fazer derrubada, plantio de roçado, farinha de tapioca, pé de moleque, beiju, professora distrital.
Passava-se 8 meses sem receber, Ã s vezes metade deste pagamento saia véspera de natal.
Sem ter o que ler, ganhei de presente um livro. O Conde de Monte Cristo. Alexandre Dumas, uma frase marcou minha vida e me fez reagir. TER FÉ E ESPERAR!
Coisas da vida. Passou mas está vivo na lembrança. Manaus, 06 de fevereiro de 2010. Ana Zélia