Ouço um sussurro, e certamente há de ser o vento,
que passa constante entre a fresta da janela entreaberta.
O som agudo que não para,
lembra o assobio que era constante,
em minha boca nos tempos de criança.
Perguntava sempre, o vizinho da vila ao lado,
senhor idoso, que aproveita o momento
pra virar criança e entoar em conjunto a melodia.
- quer vender o bico menina?
E o bico logo se desmanchava em sorrisos
de dentes brancos em arco protuberante.
Caíamos em risadas engraçadas, e só nós
como cúmplices, de uma peraltice, entendíamos
o valor da piada, e o quanto calava, ameno e doce
aquele momento.
Lembro seu nome e guardo comigo,
assim como guardo cada letra do acróstico
com o qual me presenteou pela passagem dos
quinze anos, que terminava assim:
"Adoro-te muito, meu bem".
E nessa época, tão criança quanto era quando lá pelos sete,
ao vê-lo no portão ou caminhando pela vila onde morava,
atentava-lhe os ouvidos com os conhecidos assobios.
Nem a surdez, que já dava o ar da graça e custava
um incómodo aparelho preso a orelha, tirava-lhe
o humor, e com seus olhinhos azuis e tez
bem marcada, com um sorriso no rosto,
e meio bico em assobio me saudava.