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cronicas-->NINGUEM VAI AO PARAíSO -- 02/04/2009 - 14:06 (MAURO DELLAL) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Já havia cerca de quarenta minutos que ele estava esperando ser atendido na Unidade de Situações Atípicas, o USA, órgão estatal que cuidava de imbróglios dos cidadãos. Fora até lá reclamar que seus proventos estavam, há meses, atrasados e indo para uma de suas ex-esposas. Inclusive fora uma delas, a primeira, que descobrira tal fato e, reclamando seus direitos, sem sequer saber o porquê de ele não estar recebendo diretamente o minguado valor que lhe cabia, o alertara para tal fato. Por vezes, ex-esposas serviam para algo, pensou ele, enquanto folheava uma edição antiga da revista do governo, a única que não sofria nenhum tipo de censura por motivos óbvios. Desde que aquele partido tomara o poder lá pelos anos 2000, já havia sessenta anos que as diversas publicações perderam toda e qualquer autonomia. Perdendo espaço diante da eficácia da máquina estatal, o máximo que conseguiam era, nas entrelinhas, fornecer algum tipo de informação privilegiada em meio a receitas culinárias antigas, algo difícil de decodificar. Prestou atenção a um frango ao curry, tentando desvendar o que estaria por detrás de tão minuciosa descrição. Achou que o curry era importante. Talvez porque gostasse do tempero. Estava tentando inutilmente quando seu nome foi balbuciado em brados. Finalmente, pensou. O atendente, com cara de poucos amigos, sentenciou:
O que o senhor fez de errado?
Errado? Disse ele... Não pronunciara nem um "ai", o que seria muito subjetivo, quanto mais algo que pudesse ser julgado como errado. Aqui todos erram, disse o atendente com cara, agora, de amigo algum. Não tenho recebido meu dinheiro, reclamou, meio sem jeito. Nome? Perguntou o atendente, já com entonação de inimigo mortal. Disse-o pausadamente, pois o nome não era fácil de entender. Vê-se que o senhor nasceu antes do PRÓ-NOME: Programa de Nomeação Melhorada, que teve o intuito de simplificar todos os nomes, mas dando-lhes certa coincidência, resolvida facilmente com outro programa: o de Numeração Independente, Geral, Unificada E Melhorada, o NINGUEM, afirmou orgulhoso o atendente. Não era todo dia que se encontrava um NINGUEM como ele. O atendente se assanhou.
Bom, vamos rever passo a passo sua situação. O senhor já se inscreveu no PLEBE?
Programa de Liberdade Estudada, Benéfica e Educadora? Perguntou ele. E já com o cartãozinho, abanando-o desesperadamente...
Sim, essa mesma, disse o atendente.
Claro, não poderia receber meu dinheiro sem isso.
Pois bem, vamos ver... Sim, está certo... Hum-hum... Aqui também..., perfeito... Um momento... Deixe-me ver... Não, não...
O quê, o quê? Perguntou ele já ansioso.
Nada, nada... Aqui está correto... Aqui também... Ahá!!! Rompeu ele num incontrolado dever cumprido.
O que foi? O que foi? Descobriu?
Claro, disse o atendente cutucando a tela do computador, chateando-a, com certeza.
Diga-me, diga-me... Por favor...
O senhor não recebe seu dinheiro porque...
Porque..., disse ele acompanhando o tom de programa barato de auditório...
Porque o senhor está morto!!!
Hein?
Está surdo além de morto? MOR-TO!
Não estou morto, declarou o vivo.
Claro que está!
Não estou, declarou o vivo.
Olha, não vou ficar discutindo aqui com alguém que já morreu.
Como morreu? Exacerbou-se o vivo, eu estou aqui falando com o senhor, não me está ouvindo?
Hoje em dia ouve-se cada coisa, respondeu o atendente já procurando o próximo com os olhos, ladeando o corpo do vivo à sua frente.
Vê, disse com alegria, eu lhe obstruo a visão. Está-me vendo, afirmou crescendo diante dos olhos do homem do governo.
Nada que um colírio não resolva.
Não é possível; eu não estou morto, gritou alto.
Para quem já morreu o senhor está fazendo muito barulho. Depois dizem que os que incomodam são os vivos. Está aí a prova do contrário.
Está errado! Gritou ele.
Fez-se um silêncio mortal. Errado? O governo errado? Seu infalível banco de dados errado? Aquilo era motivo para morrer de novo, se é que estava mesmo vivo. Ele sentiu um frio na espinha. Percebeu o que dissera e desejou mesmo estar morto. Tentou-se desculpar, mas o atendente, absolutamente ofendido, estendeu-lhe a palma da mão em um gesto típico de que não queria ouvir mais nada. Imediatamente chamou um agente do BATE, Batalhão Especial, que o pegou pelo braço, não sem antes fazer uma cara de nojo: não gostava de pegar em pessoas mortas.
E agora, disse ele, o que faço, para onde vou? O atendente respondeu já com certa irritação:
Seu caso é simples, o senhor está morto. Se não está, o que eu duvido muito, deveria. Por certo que a situação não pode ficar assim.
Sim, por certo que não!
Então!
Então o quê?
Meu amigo, o senhor é um morto muito burro, sabe. Trate de ajeitar sua situação.
Mas como? Perguntou ele já temendo pelo pior.
Ora... E deu uma gargalhada sonora, abrindo os braços e girando-os insistentemente na direção da fila que também passou a rir, pois entenderam que não rir seria afirmar que o morto não estava morto e sim vivo.
Morrendo...
Mas... Mas... Como? Por quê? De Que jeito?
Calma meu senhor, disse o atendente parando de rir e pedindo com as mãos que o povo presente se aquietasse. Temos solução para tudo neste governo. O senhor pode se inscrever, por uma pequena taxa, no NADA.
Hein?
N.A.D.A! Núcleo de Ajuda a Defuntos Atrasados.
E que taxa é essa?
O T.U.D.O!
TUDO?
Sim, Taxa Única de Descuido Organizacional.
Mas se estou morto, como posso pagar?
O NADA lhe informará de todos os detalhes.
Saiu dali em direção ao NADA. Pensou no TUDO e como iria poder pagar.
Era um NINGUEM, com a PLEBE em dia e mesmo assim cheio de problemas.
Ao cruzar a rua avistou um ónibus em cujo letreiro estava escrito PARAISO.
Resolveu tomá-lo. O ónibus o colheu sem demora.
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