Jarbas o prefeito mais astuto que a cidade de Tupinambicas das Linhas conseguiu reeleger, teria naquela manhã de segunda-feita, outra reunião com o deputado estadual Tendes Trame.
Quando o alcaide saiu logo cedo defronte sua casa, depois de ser avisado que o motorista da prefeitura, já estava à sua espera, notou que o homem mantivera o carro na contramão.
Despedindo-se da empregada Jarbas disse:
- Sandra, avisa a tchutchuca que já fui pra prefeitura. Que voltarei logo mais para o almoço.
A doméstica Sandra, que trabalhava para a família há mais de trinta anos, notou que a gola da camisa do patrão estava amassada, tentando por isso avisá-lo. Jarbas, no entanto, esquivou-se saindo logo e fechando a porta atrás de si.
- Bom dia. - disse o prefeito ao motorista, funcionário da prefeitura.
- Bom dia. - o homem respondeu expressando também o seu mal humorado estado de espírito. Ele sabia que tinha de parar com o cigarro. As fábricas avisavam, com as figuras impressas nos maços, sobre os malefícios que o produto poderia trazer.
- Pra prefeitura, senhor?
- É claro, sua besta. Onde você pensa que eu, o prefeito reeleito com a maior quantidade de votos jamais vista nesta cidade, poderia ir nessa hora? Para os bares, igual aos seus parentes?
O motorista que já estava acostumado com as humilhações, nem pensou em revidar ou responder à s grosserias. Ele tinha três filhos ainda em idade escolar e, não sabendo fazer nada mais do que conduzir carros pelas ruas da cidade, não podia mesmo reagir igual a alguém independente.
Jarbas como de costume, sentou-se no banco do carona e, sem dizer mais nenhuma palavra, mas com um estalido nos dedos, mandou que o homem começasse a trabalhar.
Notando que o funcionário mostrava-se embaraçado, provavelmente constrangido, pela rudeza das palavras que ouvira, Jarbas não aliviou:
- Vai múmia! Esqueceu de tomar seu chá hoje?
O pobre funcionário sentindo o rosto avermelhar-se inseriu a chave na ignição dando partida no motor.
- Estamos com pressa. Tenho outra reunião com aquele palhaço do Tendes Trame. O sujeito parece que tem duzentos anos, mas mesmo assim, não aprende a fazer as coisas certas. Onde já se viu, outra conta da prefeitura rejeitada. E tudo por causa das orientações dele. Pisa nessa merda, ó imbecil!
Depois de algum tempo de trajeto tenso, quando a dupla já se aproximava do prédio da prefeitura, tocou o telefone celular do Jarbas.
- Aló! Quem? Ambrosina? É você minha nega? Nossa, há quanto tempo! Pensei que tivesse morrido; onde esteve durante todos esses anos? Mas que voz macabra é essa? Parece que sai da tumba!
Enquanto Jarbas conversava com Ambrosina o motorista manobrava o carro parando-o defronte a entrada da prefeitura. O homem desceu e, para ser gentil, deu a volta, indo abrir a porta do chefe. Quando o funcionário tocou na maçaneta, foi interrompido pelo prefeito.
- Sai fora, ó pobre do inferno! Será que não se pode nem ao menos conversar em paz, com os amigos que há muito não se falam?
O motorista tirou do bolso traseiro um lenço, com o qual enxugou a testa, de onde escorriam incontáveis gotas de suor. Tenso ele ainda manteve-se a disposição da chefia.
Jarbas terminou de conversar e saindo do carro caminhou em direção ao elevador que o conduziria ao gabinete. Durante o percurso ele murmurava:
- Nossa! Tia Ambrosina! Quem diria? Mas não tem nada não, a senhora ainda vai me trazer vantagens. - dizendo isso o prefeito secou o suor que lhe escorria pelo cangote com o lenço rosa que sacara do bolso, subindo em seguida ao gabinete, onde certamente Tendes Trame, o funàmbulo, o esperava.