Estudante e padre viajavam pelo sertão e tinham caboclo como bagageiro.
Deram-lhe uma casa e pequeno queijo de cabra.
Não sabendo como dividi-lo (mesmo porque chegaria pequeno pedaço para cada um), o padre resolveu que todos dormissem. O queijo seria daquele que tivesse, durante a noite, o sonho mais bonito, pensando engabelar todos com os seus recursos oratórios.
Todos aceitaram e foram dormir. Tarde da noite o caboclo acordou; foi ao queijo e comeu-o.
Pela manhã, os três sentaram-se à mesa para tomar café e cada qual teve de contar o seu sonho.
O frade disse ter sonhado com a escada de Jacob e descreveu-a brilhantemente. Por ela, subia triunfante para o céu.
O estudante narrou que sonhara já dentro do céu, Ã espera do padre que subia.
O caboclo sorriu e falou: "Eu sonhei que via seu padre a escada e seu doutor lá dentro do céu, rodeado de amigos."
"Eu, aqui na terra, gritava: seu doutor, seu padre, o queijo! vocês se esqueceram do queijo!"
Respondiam-me, de longe, do céu: "Come o queijo, caboclo! Nós estamos no céu, não queremos queijo."
O sonho foi tão forte, que eu pensei que era verdade, levantei-me e comi o queijo, enquanto dormiam.
Càmara Cascudo (colhida no Ceará por Gustavo Barroso)
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(*) Brasília, DF, 04/11/2008. Recebido, nesta data, por e-mail, de Vera Frazão.