Anda, vira e mexe, lembro do Cyrão, um tio guardado em lugar especial da minha galeria de ídolos. É uma lembrança que dispara involuntariamente e que está relacionada com o ato de escrever. Quando eu trabalhava em jornal, ele acompanhava minhas reportagens e sempre mandava seus comentários incentivadores comparando este pobre escriba a grandes cronistas (imagine!). Bem ou mal, hoje, persigo as frases em cronicas.
Mas nossa ligação é muito maior do que isso. Em uma época de finanças domésticas difíceis, quando eu era menino, o Cyrão e a Landinha, minha tia, foram parceiros discretos, quase secretos, da minha família. Muita gente nos apoiou naqueles tempos, mas a marca mais forte está reservada aos dois.
Os grandes privilegiados dessa proximidade fomos eu e a Moninha, os mais novos dos quatro filhos da Iza e do França. Nas férias, éramos sempre convidados para passear com os primos, all inclused, até com carinho especial, o que normalmente é reservado apenas aos filhos.
Parceiro e carinhoso, Cyrão ajudou a forjar muitas das minhas qualidades. Foi pai, de certa forma, enquanto o titular da posição se recuperava dos tombos. Olhando de longe - hoje que sou pai e tio, com algumas contusões e sem o mesmo talento -, lembro com carinho daqueles dias.
Quando o Cyrão resolveu reformar algumas coisas na Ilhabela, em plenas férias de verão, advinha quem foi escalado para servir de assistente? Eu, é claro. E ele nunca me chamou pelo nome. Isso é engraçado. Ele sempre me chamou de Mauro. Um jeito carinhoso de tratar o sobrinho mouro. Até hoje sou chamado de Mauro por essa minha família adotiva.
Seis horas manhã - depois de jogar War até as duas da madrugada -, era acordado por aquele vozeirão inconfundível: "Mauroooooo! Vamos acordar! Tá na hora de trabalhar". E lá ia eu, em plena madrugada de férias, feito fiel escudeiro, carregar tralhas, buscar coisas no alto, subir e descer da escada setecentas e quarenta e três vezes.
Lembro do glorioso chuveiro construído do lado de fora da casa, para satisfação dos extenuados banhistas que voltavam da praia. As paredes, de bambu grosso, exigiam que, de tempos em tempos, fosse feita reforma. Nelson, o caseiro, era o pau prá toda a obra. Eu era o assistente prá todo o pau.
Nunca reclamei e lembro com bom humor desses breves momentos, porque era o jeito do Cyrão firmar amizade, manter a proximidade, fazer carinho. Um jeito meio sargentão e muito querido, lembrado com emoção, há tantos anos de distància.
Hoje, pai e tio, mando de longe um abraço apertado e um beijo na bochecha do velho Cyrão. Porque eu não seria nem pai nem tio por trás destas letras se não tivesse tido a sorte de encontrar o tio-pai nas madrugadas da Ilhabela. Sorte minha e azar dos meus filhos e sobrinhos porque, agora, sou eu que ponho todo mundo para trabalhar. "Criançaaaaaada! Vamos acordar!". E faço isso com o maior orgulho.