Não sou cronista de futebol nem domino números, estatísticas ou disponho daquela memória fantástica dos comentaristas sérios da imprensa esportiva. Mas essa discussão sobre quem foi o maior craque do século me deixou incomodado. Primeiro, porque foram perguntar através da Internet, cujo público é relativamente jovem. Depois, porque acabaram comparando escolas e épocas muito diferentes do futebol.
Prefiro não entrar nessa bola dividida, até porque acho que Pelé é o maior e pronto.
Gostaria apenas de lembrar de um capítulo especial da minha vida. Era julho de 1971 e estávamos na Ilhabela quando o Rei se despediu da Seleção Brasileira. Sintonizar TV naquela região era muito difícil. Como tínhamos um Transglobe Philco, de seis pilhas grandes, transitorizado, acompanhamos o evento pelo rádio.
O Maracanã abrigava mais de 130 mil pessoas. O Brasil perdia para a Iugoslávia. Terminou o primeiro tempo e o apito do juiz foi a senha para um momento que ninguém queria assistir. Emocionado, Pelé tirou a camisa canarinho pela última vez em um jogo oficial do Brasil e deu a volta olímpica no estádio.
A torcida gritava: "Fica! Fica! Fica!". E eu chorava à distància, também pedindo para que ele ficasse.
Apesar de pertencer a uma família formada basicamente por são-paulinos, fui educado a admirar o futebol de Pelé como um caso à parte. Ninguém chegava ao exagero de gostar dos gols dele contra o Tricolor, mas que ele era especial, disso não há dúvida. Tanto que perder para o Santos de Pelé era mais fácil de explicar no dia seguinte aos colegas da escola. "É, mas tinha o Pelé, né?!".
Aliás, não virei santista por pouco. Apesar de ser Tricolor roxo, meu pai não perdia nenhuma oportunidade de assitir a um jogo do Santos na Vila Belmiro quando estávamos por lá. Usava toda a sorte de argumentos para disfarçar, mas, na verdade, ia mesmo para ver o Rei jogar.
Eu tive o privilégio de ver a dupla Pelé e Coutinho estraçalhando adversários na Vila. Era difícil não sorrir diante dos dribles, das tabelinhas, dos pênaltis com paradinha, da malícia, da suavidade, enfim, de uma escola de futebol que não existe mais.
Titular absoluto da Camisa 10, Pelé fez 1.281 gols em 1.362 jogos, quase todos pelo Santos. Gols inesquecíveis como aquele de sem-pulo, depois de um lençol no zagueiro, contra a Suécia, em 58.
Engraçado porque lembro do Pelé não só pelos gols, mas pela manha e pela catimba em um sem número de jogadas. Talvez a sequência mais sensacional do Rei tenha sido aquele fantástico quase-gol contra o Uruguai, na Copa de 70. Deu um drible da vaca em Mazurkiewicz e um toque sutil que fez a bola preguiçosa passar ao lado da trave, rolando, suave, malvada, prá fora.
Para mim, Pelé foi muito mais do que o maior jogador de todos os tempos. Foi piloto dos sonhos de todos nós.