Por obra do destino pousou em minhas mãos no primeiro semestre de 2005, o livro "Maldição e Glória", a vida e o mundo do escritor Marcos Rey (Edmundo Donato), por Carlos Maranhão.
Debrucei-me sobre a leitura e revivi histórias contadas por meu pai, médico, hansenologista por 50 anos. Vida profissional iniciada em Casa Branca. Posteriormente, Vale do Paraíba, com sede em Taubaté.
Resgatei a imagem de meu tempo de criança defronte ao grande carro com as marcas DPL (Departamento de Profilaxia da Lepra).
Com frequência indagava ao dedicado motorista de cabelos brancos e pele negra - Otávio, o significado daquelas letras.
Ele sempre enroscava a língua na profilaxia. E ambos achávamos muita graça neste enrosco.
Meu pai trabalhou a lepra e a hanseníase de forma idêntica, por toda sua vida. E eu o admirei por isto. Tinha a visão do homem em sua integralidade. Conhecia a todos pelo nome em suas infinitas viagens pelo interior do Vale.
A mudança da tão discutida terminologia não alterou a prática de anos e anos. Sua postura permaneceu como sempre foi - pautada sobre a figura humana.
Obviamente, valorizou a mudança (lepra por hanseníase) no contexto geral.
Penso mesmo, que se a postura não convencer, a nova (já quase velha) terminologia perde o seu valor na intenção e na história. O COMO é o que realmente importa.
Quando iniciei meu trabalho tentei me espelhar neste exemplo. Apesar do esforço, nunca me igualei à sua generosidade. À sua paixão pelo trabalho, sim, com certeza. E deste feito, escutei e participei de inúmeras histórias de vida. Algumas com final não tão feliz quanto o de Edmundo Donato (Marcus Rey).
Contudo, fazia-se presente a tenacidade para o enfrentamento das adversidades. Um tempo de crescimento profissional e amadurecimento. Uma oportunidade para que em vida pudesse me ajustar melhor às vestes humanas.
Não posso deixar de registrar publicamente, o prazer que tive na leitura tão fiel aos fatos reais. Permitiu-me inclusive, relembrar o peso dos passos do fantasma de Salles Gomes perambulando pelas salas na Av. Dr. Arnaldo (o que diziam os antigos, quando eram atendidos naquele serviço de saúde) e as palavras de Conceição da Costa Neves, deputada, num fórum de Hanseníase,:"A Lepra é minha e ninguém tasca"...
Excluindo os fatos, persiste uma viagem preciosa através de palavras bem juntadas que discorrem pela história como um rio sobre seu leito.
No entanto, impossível não evidenciar a figura da grande mulher que transpassa as folhas de papel. Uma companheira que soube fazer a caminhada lado a lado, sem tirar o brilho do outro e sequer ficar sob sua sombra.
Uma reverência à Marcos Rey (in memorian); à senhora, fiel esposa, amiga e companheira; ao escritor Carlos Maranhão, que permitiu de forma brilhante, dividir essa história com tantos outros mortais; aos inúmeros personagens que ziguezagueam pelas linhas e entrelinhas...