Os cantores da noite, os passarinhos e as crianças não deveriam morrer nunca. Mas eles se vão, como o Sol se põe na tarde resplandecente.
A vida tem asas para passarinhar em outros lugares. Nós, os que ficamos, sempre lamentamos. Mas isso é egoísmo.
Cantores da noite, pássaros e crianças também precisam partir. Se a alegria nem sempre pode esperar, porque a dor o faria? Temos medo do escuro. Temos medo do silêncio.
Porém, a noite é noite há muito mais tempo do que conhecemos o dia. Por isso, sejamos o dia, a cantoria e a passarinhada. Sejamos crianças enquanto ainda lembramos que, um dia, estaremos voando, voando, na direção de outra alegria.
Pois há quem já esqueceu que é finito. Há quem finge esquecer que para tudo tem final. O amor acaba, a fome acaba, a dor acaba, o acabar acaba. O poder acaba, o poder consome. Tudo acaba e tudo recomeça aqui, ali, lá ou longe dos nossos aquis-alis-lás.
O desconhecido poder ser lilás. O desconhecido pode ser tudo. Pode estar onde quiser. O desconhecido só não pode deixar de ser desconhecido. Porque aí seria conhecido e não haveria mais temor nem curiosidade. O fim seria o começo inequívoco de alguma coisa. E não saberíamos que, na vida, cantores da noite, passarinhos e crianças um dia acabam.
Ficamos mais pobres quando partem. Ficamos mais ricos por lembrar. Ficamos e isso é difícil de aceitar. Ficamos para trás, para a frente, quem sabe onde? O fato é que ficamos e nesse ficar herdamos a dor do bar, da floresta e dos brinquedos que perderam o dono.
Cantores da noite, passarinhos e crianças não deveriam morrer. Não deveríamos morrer. Mas morremos. Cantando na noite, voando de dia, brincando pela vida.
Maurício Cintrão
(PS: este texto foi originalmente dedicado a Adauto Santos, um grande passarinho que cantava na noite e nunca deixou de ser criança)