Desculpe se volto ao tema como quem retorna ao museu. Mas não estou conseguindo estabelecer contato comigo mesmo. Por isso, não tenho escrito.
Diferente de uma visita à carruagem de Dona Leopoldina, revisitar o assunto não é tratar de quilómetros viajados, mas de caminhos a percorrer.
Concordo que a repetição é enfadonha. Porém, falar da dificuldade talvez apresente solução. Sem escrever, deterioro na geladeira do tempo. Escrevendo a respeito divido o drama com você.
Compreenda, por favor. Querer escrever e não conseguir é como perder a memória ou acordar de um sonho lindo e sequer lembrar que sonhou. Pior do que isso. É sentir o amor sem ter amado.
Você já viveu a sensação de torpor dos desejos realizados sem recordar sabor de pele alguma? É estranho. Fica a idéia de queimação sem evidência de fogo. Genitais adormecidos pelo uso que não houve.
Saiba que os prazeres do criar não se restringem ao produto acabado. Aqui, quando lê, você conhece o texto pronto. Eu o experimento de diversas formas e em vários momentos. Pena que não possa compartilhar essa experimentação.
Como no amor, as preliminares do texto podem ser tão prazerosas quanto o próprio gozo da leitura que satisfaz. Talvez por isso perca, Ã s vezes, o apetite da escrita. Sou um viciado das carícias da criação.
Não perdi o paladar por frases e períodos. Enamoram-me idéias e projetos. Ainda flerto com formas diferentes de enxergar o mundo. Todavia, não tomo a iniciativa. E uma espécie de acanhamento ignora os olhares provocantes do acaso.
É angustiante, pois o não escrever é deixar de tecer a linha que me faz voar através pipa.
Deixar de escrever é perder a própria sombra.
Outros que escrevem não vivem impedimentos desse tipo. Os textos fluem feito rios de metáforas inspiradas. Para eles, travas não travam.
Infelizmente, não sou assim. Até consigo estruturar textos apenas para vencer idéias. Mas de que vale escrever por prazer se prazer não há na escrita?
Não escrevo o que não gosto como não leio o que não me dá prazer. É uma questão trocas. Neste momento, em que você lê meu texto, não está apenas lendo. Está conversando com o autor. Trocamos idéias através de letras.
Seu jeito de falar comigo é continuar lendo o que escrevo. E se continuou até aqui é porque, de alguma forma, nossa conversa ganhou algum sentido.