A crise dos 40 anos é muito pior que o desafinar da adolescência. Não tenha dúvida. Falta o desejo de assistir aos filmes proibidos para menores de 18 anos, a vontade de experimentar o milhão de coisas desconhecidas e a curiosidade tipo "o que vier é lucro" dos tempos de menino. Não venha com essa história de que a maturidade permite apurar o paladar, de que o olho da experiência enxerga longe e que a vivência amplia a capacidade de ação. Vá explicar isso para o meu filho João Paulo, quando quiser passear de pedalinho no lago. Conto com esse capítulo traumático no currículo de pai.
Estávamos em um hotel-fazenda, em Valinhos, no interior de São Paulo. Lugar bonito, grande, com um lago de fazer inveja, que ofertava aos hóspedes um passeio de graça nos pedalinhos ali atracados. Adiei o quanto pude a promessa de passear com o baixinho. Mas ele é insistente. Em certa manhã, não tive escapatória. Ele pediu na frente de todo mundo e a monitora da petizada reforçou, escandalosa: "Ah, pai, vai!". Fui. Hum....
Ao entrar no pedalinho lembrei de quando era pequeno e caía da rede. Não caí, mas quase. O segundo problema foi me ajeitar no banco de fibra de vidro, desenhado para jóqueis e crianças. O terceiro foi encaixar as pernas de forma a não ralar o joelho a cada pedalada. Mas os problemas só estavam começando.
Saímos pedalando, alegres e sorridentes. Na pose de pai-herói, eu estava cheio de vigor, mandando bala no pedal. O João Paulo pedalava orgulhoso, com aquela expressão de "meu pai é fera!". No embalo da euforia, fomos até o meio do lago, no maior gás.
Surgiu o problema inesperado. Fazia parte do acordo que o baixinho ajudasse em todo o percurso. Mas, ali, no meio daquele mundo de água, ele resolveu parar de pedalar. "Mas João, você disse...", tentei argumentar. "Ah, pai, cansei, sou criança e você é mais forte!".
Foi no ego, atingiu o orgulho, abalou a honra, mexeu na imagem de pai imbatível. Não podia negar fogo em uma hora decisiva como aquela. Forcei a perna. E quem disse que eu conseguia pedalar? A estirpe dos lobos selvagens da minha herança familiar ordenava: "vai perna, vai!". Mas a perna não ia. "Vai perna, ajuda!", pedia. Nada. "Ó, perna...", quase implorei.
No meio do lago, com cara de bobo, raciocinava: "se você pedir ajuda, será o fim". A musculatura gemia, humilde: "se forçar eu pifo!". E nessa administração de interesses contrários, fui descansando, disfarçando, descansando, até que, com jeito, a perna atendeu aos clamores do meu orgulho ferido. Foi quase como negociar o último chope com garçom que está lavando o chão do bar. Mas consegui!
Contente, desembarquei heróico, dono da situação. Até deu tempo de brincar com uma garotada que ainda voltava pedalando com dificuldade, reclamando de dores nas pernas. Mas o golpe final foi dado pelo meu filho. Todo zombeteiro, o João Paulo gritou para a monitora: "Tia, quase precisa pedir ajuda, porque o meu pai cansou de pedalar!".
Por isso, recomendo: se você tem mais de 40, não é instrutor de academia e preza a auto-imagem, ao sair de férias, evite hotéis com lago e pedalinho. É gelada!