Quando era menino, lutei judó. Quer dizer, quase lutei, porque só durei uns três meses. Meu irmão mais velho era faixa marrom ou alguma coisa desse tipo e vencia quase todos os embates na academia do Colégio São Francisco Xavier. Ao ser apresentado ao tatame, fui recepcionado pelos espancados companheiros de turma do Beto. Logo, apanhei que foi o cão. Era o meu batismo, mas não sabia. Achava que era pessoal. Desisti sem nenhum remorso.
Acho que foi bom porque não tenho o mínimo talento para lutas. Sou meio preguiçoso para essas coisas de condicionamento físico, treinamentos exaustivos e perseguição de objetivos que impliquem na eliminação dos outros. Mais incompetente ainda quando se trata de briga. Mas não deixo de lembrar com carinho daquele pequeno período. Foi lá que ouvi, pela primeira vez, que o judó não é luta, é arte de desenvolvimento do auto-controle.
Apesar da experiência e das barbaridades que se vê ao longo da vida, ainda fico espantado quando grupos de lutadores desta ou daquela modalidade saem pelas ruas, barezinhos e boates esbofeteando a três por quatro. Que as pessoas procurem as artes marciais em nome da auto-defesa, acho que é um direito delas. Não custa nada tentar se garantir. Mas usar desse conhecimento técnico e tático para agredir os outros, bom, isso não é auto-defesa, é outro-ataque.
Mas não era sobre esses trogloditas de fim de semana que eu pensava em escrever.
É que fiquei emocionado com os judocas brasileiros em Sydney e acabei lembrando com carinho do curto período em que fui transformado em hambúrguer de tatame. Bem ou mal, aprendi o quanto custa avançar na modalidade e imagino os esforços feitos pelos lutadores para integrar a equipe olímpica brasileira.
A Imprensa contou histórias que revelam essa grandeza. Vários competidores lutam com dificuldade, pois não dispõem de condições materiais para isso. Muitas vezes, só conseguem participar de competições internacionais - justo aquelas que dão direito à vaga na equipe olímpica - a custa do sacrifício financeiro das suas famílias.
É caro ser atleta em qualquer país. Mas neste Brasil que não sabe levar nada na esportiva, esse custo é ainda maior. Custo que não é só o financeiro. É caro praticar um esporte que não tem prestígio. O atleta tem que desempenhar múltiplas funções para continuar sendo atleta, sob a desconfiança do patrão, da namorada, do vizinho e, Ã s vezes, até da polícia. Mesmo assim, essa rapaziada compete de igual para igual com as maiores feras do mundo.
Não importa se o pessoal do quimono trouxe tantas ou quantas medalhas. Esses meninos e essas meninas do judó merecem minha modesta reverência. Não só pelo que fizeram nas Olimpíadas, mas pelo exemplo que mostram ao Brasil Real, igualmente ignorado pela mídia, maltratado pelos mais ricos e, mesmo assim, competitivo. Isso é que é auto-controle!