Estou perdendo amigos. Uns se vão de vez, outros, desaparecem sem deixar rastros. Alguns estão adoecendo. Não é um bom sinal perder amigos em tempos de crise.
Tempos de crise... Essa expressão perdeu o sentido. Sugere um fenómeno e não uma constante. De uns tempos para cá, tenho cadeira cativa na crise. Tenho funcionado com falta de dinheiro há muitos anos. Já foi pior, eu concordo. Mas ainda não está bom.
Por exemplo, já acostumei a andar por aí sem nenhum dinheiro no bolso. Isso não é figura de linguagem. É fato. Fico sem dinheiro. Até desenvolvi o hábito de colecionar moedinhas. Vou guardando os troquinhos no cinzeiro do carro. Ficam lá fazendo barulho quando passo pelas esburacadas ruas da cidade. Na hora do aperto garantem um cafezinho ou o cigarro.
Tanque cheio de gasolina é uma raridade, só para viajar. Como não tenho viajado, encher o tanque continua sendo fato raro. Roupa nova, então, é artefato de remota lembrança. Não sobra para a revisão do guarda-roupa. Já não sou lá aquela maravilha em matéria de elegància. Sem dinheiro, então, a situação é pior. As roupas disponíveis são manchadas por mim com maestria.
Outro dia, consegui a façanha de colocar no bolso da camisa uma caneta hidrográfica aberta. Tenho o costume de encaixar a tampa na parte de trás da caneta enquanto desenho ou escrevo. Nesse corre-corre do dia-a-dia coloquei a danada no bolso. Uma ou duas horas depois fui notar a mancha escura, horrível (daquelas que têm cara de mancha mesmo). Não tive escolha. Trabalhei o dia inteiro com a camisa manchada.
Sou um sujeito desligado, mas tenho aprimorado essa peculiaridade. Já esqueci o número do telefone de casa, certa vez. Em outra, acendi o fogo para esquentar a água do café e simplesmente coloquei a chaleira em outra boca do fogão. Pior: ainda reclamei do gás de rua porque a água não esquentava.
Mas essas coisas seriam motivo de piada se não acontecessem com frequência cada vez maior. É a crise. Só pode ser culpa da crise. A mesma crise que deve estar afetando os amigos, porque eles morrem, adoecem ou somem. Isso não é hora de sumir. Mas eles somem.
Será que esqueceram de mim como eu esqueço a pasta de trabalho em cima do carro, dou a partida e vou embora?
Não dá para saber. Eles se vão e nem sei o que aconteceu. Só sei que estou sem dinheiro, em meio a uma crise que nunca acaba e perdendo os amigos. Uns, perderam o humor. Outros, a saúde. Mas e quem perdeu a paciência? Nunca saberei.
Nem posso me vingar escrevendo, pois, se sumiram, adoeceram ou morreram, a única coisa que não fariam seria ler os meus pobres textos. Não adiantaria escrever para não ser lido. Mas eu não aguento e escrevo. Depois me perco por aí.