Estou em frente dela. Refletindo o hoje e o ontem. Comecemos pelo ontem que é mais sedutor e poético: Ontem não existia esta "coisa" na minha frente. Existia sim pessoas que nos davam sem pagamento o pedágio para a estrada da cultura. Explico-me: Ao chegar numa livraria você desfrutava de um bom papo sobre livros, autores, os mais vendidos etc.
Com direito eventualmente a um cafezinho gratuito. O livreiro (que já te conhecia) sabia o que seus neurónios pediam como entrada, prato principal e sobremesa no grande banquete do conhecimento. Arriscava-se um palpite tipo: "Pode levar este matadouro cinco do Vonegut". Acertava na mosca! Algumas livrarias promoviam saraus. Havia nestes saraus uma aura de partilha, de amor pelos livros, de poesia recitada na hora,
meio envergonhada de quem ousava recitá-la, mas com coragem de se mostrar sublime. Ah! Havia também aquele manancial de livros a sua disposição. Podia-se escolher uma "Tabacaria" de F. Pessoa. Ou "Partida" de Sá Carneiro, amante do primeiro, ultimo a ser criticado por amar. E o hoje? Hoje o livro é o mesmo e não é o mesmo. O livro perde sua majestade sua grandeza por ser pesquisado por esta maquininha. A resposta de quem vende, mas que não é VENDEDOR é sucinta: "Não temos este livro SENHOR" "Perdão SENHOR, mas nunca li nada dele" A vontade é responder: "Meu caro eu não sou senhor de ninguém. Nem de mim! O senhor se existe, tá no céu".
O tesão de comprar um livro vai acabando, enquanto o silêncio na livraria é um grito sufocante de nossa miséria alienante!