Sou meio antigo, daqueles que demoraram para usar o computador. Mais do que isso, demorei a aceitar o computador. Foi um longo pega-pega em que eu me sentia o coelho em uma corrida de cachorros. Eu fugia e a informática avançava, sempre mais rápida e feroz.
Tive algumas vantagens. Saí das redações de jornal antes que a informatização fosse completada. Parecia combinação. Começava o processo e eu mudava de emprego. É evidente que o assédio já havia começado pelas calculadoras com memória, cartões de crédito, vídeos e TVs com manuais acadêmicos e caixas automáticos nervosinhos. Mas esses eu tirava de letra: virava e fugia.
Sou jornalista que ainda fala Caixa Alta e Caixa Baixa para maiúsculas e minúsculas. Conheci o linotipo, o clichê e a calandra. Fiz past up com cola de benzina. Retoquei fotolito com abideque. Meu sonho foi, por muito tempo, possuir uma poderosa Lexikon, máquina de escrever que era um tanque de guerra, daquelas que o vendedor subia em cima do carro para provar a resistência.
Portanto, compreenda, foi uma tortura.
Formado no coloca-papel-arranca-amassa-joga-fora dos fechamentos de jornal de antigamente, fiquei um pouco chocado quando, de volta à s redações, encontrei aquele ambiente bancário: silêncio, colegas entrincheirados entre cogumelos cinza, murmurando textos como quem prepara avisos de protesto. A sinfonia do taquetaquear das máquinas de escrever de antes estava condenada.
Nessa época, o contato com o PC foi inevitável. Busquei mostrar maturidade. Só fazia escàndalos de vez em quando: "Máquina burra!". Às vezes, namorava o equipamento. "Não, meu bem, não é isso que eu quero!". Perdia a paciência: "Ó, caramba, será que você não entende!". E outras citações que não merecem referência.
É certo que a minha iniciação foi inspirada em Torquemada. Queimei meus demónios anti-tecnológicos através de um 286 de tela verde, DOS. Comandos como Alt F10, Tab Ctrl Shift e outros do gênero mais pareciam insultos em siglas. Eram difíceis de responder, aliás. Acentos e cedilhas eram verdadeiros exercícios de fisioterapia.
No entanto, com o tempo, o que era aversão foi virando coexistência pacífica, ganhando formato de simpatia e da simpatia para o namoro foi um pulinho.
Hoje, digo com certa dose de culpa que acabei virando um micreiro social, um micrólatra moderado. Posso até afirmar sem vergonha: gosto de computador. Ainda não cheguei naquele estágio em que os cadernos de Informática dos jornais viram leitura obrigatória. Também não consigo, por enquanto, discutir com desenvoltura sobre Rams, Megas, JPEGs e Zips. Mas o pouco que conheço permitiu recuperar a integridade da família. Até já consigo conversar com meu filho mais velho, o Gabriel.
Tó ligado. Agora eu tó ligado!
Maurício Cintrão
(esta crónica foi selecionada pelo concurso do site de Mário Prata e integra o livro "As cronicas dos Anjos de Prata", editado em dezembro de 2000, com as 30 melhores cronicas do concurso)