Escrevo textos rápidos porque preciso sair. Do contrário, ficaria por aqui catando letrinhas até cansar. E seria aquele cansaço gostoso, porque é uma delícia catar letrinhas. Como naqueles tempos de criança, em que andava pela praia do Perequê rastreando a superfície da areia à procura de conchinhas. "Essas conchas vão ficar fedidas!", sempre dizia algum adulto. "Joga no mar, menino".
Ainda hoje tem gente mandando jogar as conchinhas fora. Eu concordo que sim, que é verdade, que é perda de tempo. Feito antigamente, porém, finjo que jogo e não jogo. Guardo no esconderijo da memória, onde conchinhas e letrinhas sempre são bem-vindas, são lindas e têm perfume.
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Tenho saudades do tempo em que escrever era uma atividade barulhenta. A minha velha e boa Remington taquetaqueava a custa de muito esforço. Era um trambolhão pesado e de teclas duras, uma geladeira com cofre, um Chevrolet 51. Não importavam as grandes idéias ou a pouca inspiração. O barulho a bordo da máquina aplacava a angústia do papel branco: "tac-tac-tatata-tac-tac, plim!, creeeech!". Até o põe-e-tira papel compunha o exorcismo do vazio. Não raras vezes, os próprios monstros da criação ficavam por ali, assistindo espantados ao barulhento ritual. E eu ria, porque não há nada mais divertido do que espantar quem nos espanta.
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Fumar é uma delícia. Sei que é feio falar isso nos dias de hoje. Mas não posso evitar. Fumar é uma delícia. Aproveito cada tragada como se fosse a última. Tem sempre um anti-tabagista à espreita. Meus filhos são anti-tabagistas. Minha mulher é ex-fumante que não suporta cheiro de cinzeiro. Os médicos, então, nem pensar. Cigarro dá caspa, erisipela, mau olhado, pedra no rim e impotência. Não tenho nenhum deles, tirando mau olhado porque não há espelho para gente ruim. Então eu fumo deliciado, até a hora em que chegar a minha vez. Aí me vingo. Fico chato como todos os amigos que, parece, pararam de fumar só para chatear.
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As grandes cidades têm algumas coisas muito engraçadas. Outro dia, no trànsito, ou melhor, na falta dele - porque estava congestionado sobre o Minhocão -, ele flertava com ela, que estava no carro ao lado, em sentido contrário. "É duro, né!", dizia ele. "É!" respondia a motorista com eloquência. "Eu vou perder a hora do meu bate-papo pelo computador", insistiu o outro. Ela não respondeu. "Pelo jeito você não é muito de conversa". Ela foi definitiva: "...". A motorista do carro mais atrás aproveitou: "Você tecla no bate-papo?!". Quase aparece o olhinho flertando na tela. "Bato-papo pela UOL" , confirmou o galã, empolgado. Mas o trànsito resolveu transitar. "Em que hora, qual seu nick?", perguntou apressado. Ela ainda gritou, mas não conseguimos ouvir. "Fon-fon", o som melancólico da buzina deu o tom da despedida.