Não podemos fugir da realidade, tapar o sol com a peneira. Não nos encontramos no Paraíso, onde todos se amam, ninguém desejando o mal do próximo. No pequeno Planeta Terra - imenso ante a incontestável finitude do homem - bilhões de seres vivem com línguas, costumes e religiões diferentes, nem sempre em harmonia, entendimento, fraternidade. Restringindo-nos à civilização ocidental, mais particularmente ao meio onde vivemos, passamos a considerar as relações existenciais e, de repente, constatamos: temos inimigos.
A inocência, para não dizer a ingenuidade, a limpeza de alma, a abertura dos corações, a alegria de viver, jamais nos fizeram crer que outras pessoas nos odiassem e nos considerassem inimigos. Cristo nos recomendou que nos tornássemos semelhantes à s crianças para merecermos o Reino dos Céus. E crianças não odeiam. Por isso, pensamos, talvez venha a ser fácil cumprir o preceito de amar os inimigos. Se não os temos, não os podemos odiar, porque seria odiar o nada, odiar o que não existe. Também, não podemos amar o inexistente.
Os fatos, frequentemente, são outros, pois deles podem se originar divergências, desentendimentos, separações. Então, os simultàneos ou subsequentes ódios e rancores vêm à tona, motivando a inimizade. O inimigo é criado, passa a existir. Aí os cristãos terão oportunidade de aplicar aquele preceito do Divino Mestre. As dificuldades aumentam. Como desejar o bem daquele que nos quer prejudicar e nos detesta? Constata-se pois: o Cristianismo não é religião de facilidades, exige esforço e dedicação para ser praticado. É oportuno salientar duas situações - hipóteses - que se encaixam no tema ou dele se aproximam acentuadamente: na primeira, muitos se tornam inimigos nossos por uma discussão, conversa mais áspera ou por qualquer idiossincrasia. Mas absolutamente não os odiamos e os reputamos como inimigos. Eles, optativamente, é que nos consideram como adversários ou desafetos. Constata-se, mais uma vez: a reiteração de atos positivos ou bons (não odiar) facilita cumprir o árduo preceito de amar o inimigo.
A Segunda hipótese é pergunta de resposta intrincada: na outra vida, nos páramos celestiais, como iremos conviver com aqueles que praticam a mesma fé, mas se mostram irredutíveis a qualquer aproximação, pela qual também não temos o mínimo interesse? Nesse ponto, encerrando a reflexão, temos um momento de fraqueza e acabamos nos confortando com aquele romàntico provérbio árabe: "Os cães ladram, enquanto a caravana passa."