"Não se morre mais como antigamente. Não falo das mortes originadas de acidentes, em números assustadores e crescentes ou das mortes violentas, decorrentes de crimes e assassinatos. Refiro-me à s mortes cotidianas, normais, consequências de enfermidades comuns à espécie humana, aliadas, muitas vezes, á própria degenerescência senil.
Hoje, adoecendo o indivíduo, se não melhora com os tratamentos que são administrados em casa, sob orientação médica ou não, é encaminhado aos "prontos socorros" ou para internação hospitalar. Não há que se negar as vantagens desse procedimento, principalmente quando o doente reage e se recupera. A abordagem que desejo fazer, porém, refere-se aos pacientes terminais, Ã queles que estão com a quilometragem de vida a se esgotar...
Então, surge o drama. O doente não melhora. Agrava-se o estado clínico. Deve ser encaminhado para a Unidade (U) de Terapia (T) Intensiva (I). Ali só os médicos e enfermeiros especializados, com atenção redobrada cuidarão do enfermo. Tubos e processos os mais variados, injeções vitamínicas e analgésicas, alimentação endovenosa, aparelhagem controlando os principais órgãos etc., tudo ressaltando os progressos da medicina em luta contra a morte, que tenta se apoderar do corpo doente. A família, nem os mais chegados, não pode se aproximar do paciente. Talvez o possam ver à distància, através de janelas envidraçadas, em determinadas horas, onde terão, também, informações do enfermo.
Será a confiança absoluta na medicina e nos médicos o comodismo que nos levam a entregar os nossos entes caros geralmente para morrer no meio dessa parafernália laboratorial?
Como dizíamos de início, não se morre mais como antigamente, ao lado dos entes caros e familiares, talvez dos amigos, quem sabe pronunciando uma última palavra de adeus ou de recomendação! À morte hodierna jamais se poderiam referir os melancólicos versos que Laurindo J. da Silva Rebelo escreveu há mais de cem anos:
"Feliz, feliz aquele a quem não cercam
Nesse momento acerbo, indiferentes
Olhos sem pranto: que na mão gelada
Sente a macia destra da amizade
Num aperto de dor prender-lhe a vida!"