Queria enxergar o mundo com os olhos da babá, que ampara o herdeiro nos braços, no banco de trás do carro chique. Passageira privilegiada, ela vê o que a mãe-motorista não pode ver. Paisagens passam pelas janelas do carro, placas anunciam o que não se pode comprar, um passarinho adormece ao sol no parapeito da janela alta de uma casa.
No farol fechado, mamãe até poderia ver a paisagem. Mas as contas a pagar, a discussão de ontem com papai, a festa do fim-de-semana e os quilinhos a perder na academia nublam a visão. Ela foca os olhos no vazio, mão na cabeça, e esse farol que não abre...
Pessoas emparelham seus carros e sorriem para a babá, a única que tem olhos para fora. Ela é simpática, namora a vizinhança com olhos de passageira.
O que será que passa pela cabeça da babá enquanto ajeita o herdeiro carinhosamente? Ele é pequeno para ser colocado no moisés. Ainda bem, pois não haveria babá no banco de trás do carro chique, olhando a paisagem que passa sonolenta pelas janelas do carro.
Quais os sonhos por trás dos olhos da babá do banco de trás? Um novo radinho? Um namorado que a leve para o forró decisivo? O estudo que falta mas não há tempo, não há coragem?
O som do carro toca a música da novela, daquela moça bonita, que cabelo lindo, meu Deus, que ainda vai casar com ele. O herdeiro se mexe, a babá se endireita, a mãe inspeciona pelo retrovisor e o mundo muda de canal pelas janelas do carro.
Queria enxergar o mundo com os olhos da babá, que protege o herdeiro sem o peso da herança. Quais cartas deve receber da família distante? Que perfumes encantam a dona daqueles olhos espectadores da programação do automóvel? O menino quase foi atropelado, o bêbado ainda dorme na calçada e as pessoas fazem fila no banco.
O mundo passa, o tempo passa, a vida passa. Só não sei o que passa pelos pensamentos da babá, que segue tranquila passeando no banco de trás.