Tenho um problema sério para escrever. Se observam meu texto enquanto escrevo, paro na hora. Sei lá o porquê. Acho que é mania. Trato o ato de escrever quase como uma cerimónia. É tão íntimo quanto fazer as necessidades no banheiro. Definitivamente, não gosto de escrever de porta aberta.
O texto é público, concordo. Mas o escrever é privado, sem trocadilhos.
Isso lembra uma história que ouvi de um marinheiro, há muitos anos. Na primeira viagem internacional que fez, de não sei quantos meses, desembarcou no Japão, onde assustou com os banheiros das boates. Eram cómodos sem portas ou paredes separando os vasos, comuns para homens e mulheres.
"De repente, cê tava lá sentado, entrava uma mulher na maior tranquilidade, sentava na privada do lado, fazia o que tinha que fazer e ia embora", dizia ele. "Deu prisão de ventre".
Não chego a tanto quando escrevo, mas prefiro a solidão inspiradora. Somos eu e o texto disputando uma prova de resistência. Escrevo, reescrevo, começo, recomeço, apago tudo e parto para outro texto. É uma luta pessoal e intransferível. Não gosto que assistam.
Aprendi a escrever nas condições mais adversas. Tanto que resisti bravamente durante alguns anos em redações de jornais e revistas. Em algumas cheguei a ter sensação parecida com a do marinheiro, devo revelar. Mas sobrevivi sem ficar com nada preso.
Hoje, reservo-me o direito de escrever escondido. Depois, o leitor até pode ver o que fiz, mas, na hora, não aguento: fico todo envergonhado. Trava tudo. Coisa de amador. Acho que, por isso, sou um péssimo jogador de futebol. Dizem que eu tenho joelho de porco. Nada disso! Sou um craque. Mas só sei jogar escondido. Daí, não jogo, escrevo.