Este tópico, destacado como “a outra invenção humana”, refere-se ao aspecto da abstração do conhecimento, também expresso como saber científico, o qual mantém diferença com o conhecimento comum. A diferença se impõe através do quadro de metodologia de abordagem.
Aquilo que se chama Direito, com letra maiúscula, faz parte desta subjetividade através da qual a humanidade, na convivência cotidiana no âmbito de sua civilização, se impôs, sob o argumento de que assim as coisas iriam funcionar melhor, espécie de arroubo da racionalidade.
Em decorrência vislumbra-se uma estreita relação entre Direito e pensar o Direito.
Significa que a prática do Direito, a grosso modo, se impôs como uma invenção. Porém, o que ainda se pode pretender é que o seu conteúdo, enquanto conhecimento ou saber científico, seja necessariamente revisto, isto porque, este não nasceu sagrado, não é intocável, nem poderia tornar-se absoluto pois que sempre foi inventado.
O Direito enquanto construção jurídica, conseqüência da abstração do conhecimento, objetivando emprestar um determinado sentido ao aspecto da organização social, deverá receber críticas e tentar novas propostas visando redimensionar sua prática, inserindo em seu contexto referências conceituais oriundas de outras áreas do conhecimento humano, como por exemplo: Democracia, (visão política).; Melhor qualidade de vida, (visão ecológica).; Informatização do cotidiano das leis (visão cibernética).; entre outras visões propostas. Esta é a questão que sempre perdura no debate.
Assim como o Direito é produto do conhecimento humano, as suas normas, posteriormente identificadas como leis, também o são. Portanto, as leis no âmbito do Direito podem ser identificadas como possuidoras de características próprias.
Isto não impede que a palavra lei possa aparecer sendo utilizada em outra circunstância. De repente alguém poderá dizer: a lei da “gravidade”, referindo-se ao efeito de que ao ser jogado qualquer objeto para o alto este sempre tenderá a cair, fenômeno estudado em Física.; a lei de “mercado”, sobre a relação de comportamento entre oferta e procura de bens de consumo, conceito estudado em Economia.; a lei da “probabilidade”, equação matemática cujos cálculos aproximam-se cada vez mais do objetivo, estudado pelas Ciências Exatas.; etc.
A lei estudada em Direito, a lei estudada em Física, Economia e Ciências Exatas, enquanto exemplos nesta oportunidade referidos, têm pelo menos um aspecto em comum, qual seja, o efeito da repetição, assim expresso: toda vez que isto acontece, da mesma maneira e é identificado como sendo o mesmo fenômeno, a lei correspondente estará sendo aplicada.
Afora a referência do Direito, nos outros exemplos acontece que a probabilidade da aplicação da lei é quase que absoluta. Quanto a aplicação da lei oriunda da composição jurídica do Direito, seu valor de probabilidade diminui bastante, devido à vários fatores de interferência, os quais no decorrer deste trabalho serão oportunamente identificados e explicados. O ideal seria enfatizar, dentro do maior fator de probabilidade, o que hoje se chama de “súmula vinculante” (*), uma investida embrionária que pode evoluir no âmbito do Direito.
Em síntese, aparentemente tudo é lei, porém as leis que servem para a materialização da idéia de Direito, a sua prática no cotidiano dos tribunais, possuem características particulares, tornando-as além de um conhecimento teórico um certo instrumental tecnológico, ensejando uma determinada técnica no momento da sua aplicação, denominada interpretação.
A este tópico pode ser acrescentado ainda, que, a abstração científica do Direito sempre foi servida ou inspirada por variado tipo de pensamento desde a filosofia grega (quadro1).; depois, cada vez mais intensamente no período dos filósofos sociais (quadro2), até a presente data (quadro3). E este assinalamento serve para corroborar a idéia sobre o Direito, como sendo a projetada, mais especificamente, junto ao conhecimento e cultura do mundo ocidental. Deste modo a visão oriental incorrerá com suas diferenças.
Portanto, a tendência de como o Direito se expressa aponta em várias direções, tal como se pode verificar através do estudo especializado da Filosofia do Direito (quadro 4), o qual demonstra, inclusive, que na fase inicial a Religião também exerceu uma grande influência no papel deste.
Este encontro das águas, Filosofia e Direito, ganhou mais e mais aprofundamento em sua discussão e, via de conseqüência, enfim, assumiu sua própria matiz, na medida em que registrou-se, pela primeira vez, no final do século XIX e começo do século XX, a composição específica da Teoria Jurídica. E a tônica central passou a ser a norma jurídica, ingressando o Direito na sua maturação positivista, quer dizer: o Direito explicando o próprio Direito.
Analisar o Direito através da Filosofia foi uma vasta tarefa e ainda é desafiadora até hoje. Além do mais se faz necessário reconhecer, também, que este ainda sofre influência das outras teorias sociais inventadas em Economia, Política, Sociologia, Moral, Ética etc.
Contudo, através da Teoria Jurídica, aquilo que se caracterizava como uma abstração circunstancial e ampla, foi redimensionada, concentrada apenas quanto ao aspecto da norma jurídica, a lhe providenciar explicações, justificativas, desdobramentos, construções lógicas e insofismáveis, porque possível de se repetir o mesmo fenômeno através do mesmo quadro de hipóteses.
O primeiro marco dessa atividade intelectual denominada de Teoria Jurídica, coube ao austríaco Hans Kelsen, (1881-1973). O seu quadro de idéias era o seguinte: o Direito precisava sustentar sua própria explicação, portanto, para acompanhar o fluxo do positivismo científico em crescente (à época), necessário se fazia construir sua própria teoria. Havendo várias leis, o traçado comum entre algumas, para que fossem reconhecidas como leis de efeito jurídico, deveria reunir suas características básicas, identificando-as como uma espécie de lei das leis, a norma fundamental, a qual emprestaria o efeito jurídico às demais, toda vez que essas projetassem as mesmas características dessa norma básica.
No mesmo plano aparecia o poder da coercitividade que se destaca como uma das características imprescindíveis. Por exemplo, a lei moral, pode ser exigida na medida da opção cultural feita por este ou aquele grupo.; entretanto, a lei com efeito jurídico deve ser obedecida por todos indistintamente.
A filosofia que influenciou tal quadro de idéias foi a de Immanuel kant, a partir da obra “Crítica da Razão Pura”, tanto que, Kelsen denominou sua obra de “Teoria Pura do Direito”.
Sem a preocupação da ordem cronológica, porém com certo sentido lógico de entendimento, pode-se anotar de antemão que outras teorias jurídicas foram elaboradas e adentram com vigor no atual século XX, inclusive já neste final de milênio.
Destaca-se, mais recente, os nomes de Ronald Dworkin, Niklas Luhmann, Herbert L.A.Hart, cujas teorias andaram pouco prestigiadas enquanto era moda as análises marxistas nos centros acadêmicos. A reversão desses acontecimentos fez com que, na metade dos anos 80 no Brasil, fosse retomada as bases de discussão proposta por eles, sobre as quais será anotada alguma síntese a seguir.
A abordagem neopositivista do inglês Hart (1907 — ), ficou conhecida através do trabalho publicado em 1961, com o título “Concept of Law”. Igual a todo teórico positivista tratou de estabelecer a diferença entre Direito e Moral. No seu quadro de explicações trouxe como aspecto inovador o reconhecimento de que as normas não são tão somente da mesma categoria, assim ao distingui-las denominou-as de normas primárias e secundárias. Estas últimas também denominadas de normas de reconhecimento (rules of recognition).
Comenta Fernando Noronha: “Esta categoria de normas de reconhecimento tem importância fundamental dentro da concepção neopositivista de Hart, porque é ela que permite identificar as normas jurídicas sem recorrer a juízos de valor, ou, como Hart prefere, a juízos morais. Assim fica nítida a separação entre Direito e Moral.” Op. cit. p. 23
Vista a proposta de Hart com uma certa intimidade, os seus críticos apelidaram a norma de reconhecimento como sendo uma “norma pedigree”. Isto porque o Direito necessitaria desta auto-afirmação, sem o que o sistema jurídico esbarraria no dilema da validade da norma ou seja, saber explicar como se dá a validação da norma jurídica, não devendo importar dos outros estatutos de conhecimento as categorias teóricas que não encontra em seu próprio âmbito.
O americano Ronald Dworkin, contrariando com sua teoria as idéias de Hart afigura-se como um idealista. A sua obra de maior repercussão denominou-se “Law’s Empire”, 1986.
Anota-se a seguinte passagem das suas observações: “que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva que no nosso Direito consiste na melhor justificação das nossas práticas jurídicas, consideradas no seu todo, que ele consiste na história narrativa que faz destas práticas o melhor que elas podem ser”. Op. cit. p. 38, 39.
Não se pode deixar de levar em consideração que ele esta referindo-se a Corte americana. Bem como, a partir desse raciocínio envereda pela concepção da teoria dos sistemas. Seu ponto alto alcança a idéia da purificação do direito através dos procedimentos do sistema, após o que esses tornar-se-iam desnecessários e desapareciam, permanecendo tão somente a lei pura (purer law).
Por esta razão, o entendimento do Direito como integridade (Law as integrity) alcança a seguinte linha de comentário: “Não há senão como aplaudir afirmações como a de que decidir casos difíceis (hard cases) é algo semelhante a um exercício literário e que vale também para o Direito a idéia segundo a qual a interpretação de um texto tenta revelar aquilo que de melhor ele, como obra de arte, possa ser — ainda que se advirta não ser o intérprete (literário ou jurídico) autorizado a extrair do texto aquilo que pessoalmente pense que deveria ter sido ali incluído, porque ele deve interpretar a história que tem à sua frente, e não inventar uma história melhor”. Op. cit. p. 42
Entre os dois últimos pensamentos apontados pode ser incluída a Teoria Jurídica de Niklas Luhmann...
No Brasil, destacam-se nomes como o de Miguel Reale, Tércio Sampaio Ferraz e Roberto Mangabeira Unger, dentre outros. A referência destes nomes servirá apenas para indicar a expectativa de algumas tendências, sem desmerecer os demais cultores.
Na visão clássica do Professor Miguel Reale, explicar o fenômeno jurídico é concebê-lo em três dimensões, quais sejam: fato, valor e norma.
Na visão utilitarista de Tércio Sampaio Ferraz o Direito em seu produto final é a decidibilidade, ou seja: emprestar um solução jurídica, uma resposta oportuna e de certa maneira rápida e prestativa para o caso concreto.
Na visão político-social de Roberto Mangabeira Unger deve-se levar em conta que as decisões proferidas pelos tribunais ecoam, em seus efeitos, no âmbito da sociedade de maneira crítica. Sendo assim deverá haver um constante esforço político-estrutural para que se possa superar as críticas e construir uma sociedade melhor planificada.
Desfecho do tópico... Direito e comunicação — Direito e linguagem — Dimensão três em um — O utilitarismo do Direito, enquanto aparato, máquina de produzir decisões — A idéia do Direito como espécie de legitimação política — A passagem da legitimidade para a legalidade — O Direito e a teoria do conhecimento o grupo de Viena verso o grupo de Frankfurt.
A mais recente crítica, vista em síntese, sobre o modelo de pensar o Direito denota ser o mesmo ambíguo e paradoxal. E para fazer uso da expressão cotidiana se diz que esta abordagem “virou moda” acadêmica.
Indubitavelmente o Direito se constitui sempre na outra invenção do Direito. Como visto, o Direito trafega no meio da realidade social, por esta razão lhe impõe severas críticas e desafios, os quais é o dever conhecê-los e resolvê-los, na medida da urgência e do reclamo. Porém, essas soluções concorrem, em sua parte específica, com as outras soluções oriundas dos outros conhecimentos prático-teóricos que compõem o todo da teorização social. Significa esclarecer que a solução jurídica, por si só, não pode emprestar efeito de tal sorte generalizador, e que por isso pretenda intitular-se como sendo a “única” solução para os problemas.
Aliás, há oportunidade de ser observado que, muita das vezes as soluções jurídicas criam novos problemas ou enfatizam determinadas distorções sociais já existentes. Nesta circunstância a compleição do Direito depara-se com o seu paroxismo: a invenção que teria por finalidade fazer com que a realidade social funcionasse melhor, acaba por sua vez produzindo efeito contrário, qual seja, gerando novos problemas com a resolução de seu produto. Então, poderia ser indagado se o Direito veio para facilitar ou para complicar as coisas na vida da gente?
Ninguém tem a resposta sim ou não. Aqueles que se dedicam a constante retomada da análise do Direito, sabem muito bem que uma sincera resposta levaria a empenhar a credibilidade do funcionamento de qualquer tribunal, ao se denotar que a tendência se curva a apontar que a prática de determinado Direito, que ao mesmo tempo reflete a sua teorização, é no sentido de que as coisas estão cada vez mais complicadas.
Em outras palavras, a qualidade técnica da solução jurídica está comprometida, da mesma maneira como vai se acentuando paulatinamente a implosão do capitalismo na sua fase pos-moderna ou neo-liberal, circunstância em que todos tentam sobreviver.
Denote-se, de passagem, que as teorias imperativas econômicas vem exercendo pesada pressão sobre as decisões judiciais. Como se de repente o Direito deixasse de ter sua própria explicação, como acontecera no passado, agora tornando-se um mero apêndice da Economia.
Nessas circunstâncias simplesmente poderia ser dito, na pior das constatações, que o Direito está novamente torto!
Outra constatação apreendida nesta atualidade refere-se sobre a ambigüidade, como sendo um efeito decorrente da linguagem via comunicação como um todo e, em decorrência, também observado na linguagem do Direito.
Pode ser resumida como sendo a possibilidade de haver vários significados através de várias interpretações para um único signo, uma única fala, um única frase ou uma sentença.
O efeito paradoxal decorre da confrontação política, destacado quanto aos interesses conflitantes, no momento do jogo ou da arte de interpretação.
Tal fenômeno para alguns analistas do Direito se apresenta como uma espécie de nicho, do qual se recusam a abandonar aqueles que usufruem da comodidade de poder contar com a fartura de exemplos sobre o que sejam os argumentos contraditórios na expressão da norma jurídica.
É preciso superar o ambiente refrigerado das ambigüidades e dos paradoxos. Neste aspecto, pensar o Direito passa a ser um desafio, cuja comparação figurativa o escala caminhar em terreno árido.
Coragem para o pesquisador continuar quando ainda há sempre alguém, por diletantismo ou profissionalismo, querendo começar com as primeiras letras do curso, então deparando-se com um monumento – o monumento jurídico – tombado como uma relíquia.
Ao mesmo tempo esse alguém, o indivíduo social, deslumbra-se, ou as vezes atemoriza-se, quando em contato com as paredes visualiza-as incrustadas de anotações sobre jurisprudência, pareceres, sentenças, arrestos, termos de contratos e outras tantas e tantas figuras jurídicas as quais transformam o templo em escombros de um antigo sarcófago de múmias.
Então, se for perguntado o que é o Direito, a situação não se torna embaraçosa somente para o aluno iniciante ou para o simples leitor. Causa também embaraço para o estudioso e ao professor de sala de aula, para o mestre e ao doutor.
Neste sentido a abstração alcança o efeito do constante desafio ao se por a analisar as várias visões do Direito. E o incidental embaraço poderá ser transformado no desafio de como conhece-lo melhor através da pesquisa científica.
Convém esclarecer, entretanto, que a abstração do Direito implica em uma constante e indissociável teoria e prática. Portanto, não há nenhuma prática do Direito que não esconda atrás de si uma determinada construção teórica. Ao mesmo tempo, não há nenhum esboço de teoria que prescinda da referência com base em determinada prática.
Em suma, o conteúdo abstrato do pensar o Direito envolve determinada teoria e prática do comportamento humano.
Teoria e prática, nessas circunstâncias, pressupõe uma equação de equilíbrio. Havendo uma inclinação para qualquer extremidade da gangorra incorrerá por certo além dos gravames da problemática social a indicação de que, antes de tudo, a maneira de pensar o Direito equivoca-se no plano de sua metodologia de abordagem.
Dito de forma positiva, para se chegar a uma melhor abstração do Direito é necessário, previamente, analisar e apreender uma melhor maneira de pensa-lo.
Alguém pode até chegar a imaginar que “jurista é quem empresta dinheiro a juros”, tudo bem! Acontece que tal conceito se dilui no âmbito do conhecimento sobre o que seja hilariante. No máximo pode ser aproveitado como alguma sutil crítica para com aqueles julgadores que negociam suas sentenças. De tal maneira é mínimo o seu contexto de explicação e, por conseguinte, o papel de sua relevância.
Mesmo assim é preciso criticar as decisões no âmbito do conhecimento denominado de Direito. Tornar procedentes tantas as críticas oriundas do ponto de vista jurídico quanto as críticas do ponto de vista político. A partir de então construir novamente essas decisões, sem que esta prática do conhecimento não se acomode como uma tarefa de simples repetição. De preferência que possa redimensionar, para melhor compreensão da atitude, seus efeitos na sociedade.