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Textos_Juridicos-->Rejeição do critério de merecimento, Michel Pinheiro -- 25/03/2006 - 07:04 (Michel Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Monografia - Tema: Reforma da Constituição e Poder Judiciário


Na qualidade de Juiz de Direito no Estado do Ceará, venho apresentar a seguinte monografia escolhendo o tema da reforma do Poder Judiciário. Vê-se hoje vontade política voltada a promover as reformas administrativas ditas pelos governantes inarredáveis ao desenvolvimento do nosso país.

Escolhido foi o tema relativo ao fim do critério de promoção por merecimento por entender que os tribunais não observam, como o espírito da Lei determina, os elementos identificadores para tal averiguação.

Demonstra o Congresso Nacional interesse em efetuar uma profunda e criteriosa reforma do Poder Judiciário. No tema aqui reverenciado vislumbro a idéia de expurgar as regras de promoção dos membros da Magistratura e do Ministério Público, defendendo a proposta de extirpação do critério de merecimento do ordenamento jurídico brasileiro por entender que nunca é ele utilizado para reconhecer, com dignidade, a capacidade de cada profissional.

É inegável o fato de que o Judiciário não consegue aferir objetivamente os melhores juízes, ou por que não há condições materiais objetivas para isto, ou por que os membros do pleno dos tribunais não cumprem efetivamente o fim preconizado pela legislação pertinente.

Quanto ao tema, passemos à análise dos preceitos legais.
Inicialmente, invoco o disposto no artigo 93 da Constituição da República:
“Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, através de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação.;
II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento.;
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago.;
c) aferição do merecimento pelos critérios da presteza e segurança no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento.;
d) na apuração da antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação”.

A Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979, a conhecida LOMAN, recepcionada em parte pela nova ordem constitucional, assegurou no artigo 80, § 1º, inciso II, que o merecimento será apurado na entrância e aferido com prevalência de critérios de ordem objetiva levando-se em conta a conduta do juiz, sua operosidade no exercício do cargo, número de vezes que tenha afigurado na lista, tanto para entrância a prover, bem como o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento.

Tal redação não estipula padronização de critérios a serem observados pelos tribunais do país, deixando para cada legislação estadual a faculdade de regular a matéria com boa margem de flexibilização.

A Lei Estadual nº 12.342, de 28 de julho de 1994, que institui o Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará, dispõe no artigo 1º, textualmente: “Este Código dispõe sobre a divisão e a organização judiciária do Estado do Ceará, bem como o regime jurídico da magistratura e a organização dos serviços auxiliares da Justiça, observados os princípios constitucionais que as regem.”

Do artigo 171 em diante, a recitada Lei Estadual trata da promoção por merecimento:
“ A promoção por merecimento pressupõe:
a) ter o Juiz dois (02) anos de exercício na respectiva entrância.;
b) integrar o Juiz a primeira quinta parte da lista da antigüidade da entrância, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago, caso em que concorrerão os integrantes da segunda quinta parte, é assim sucessivamente.
c) aferição de presteza no exercício da função pela demonstração, por meio hábil, no cumprimento dos prazos processuais em despachos, decisões interlocutórias e sentenças, bem como prestação de informações em mandado de segurança e habeas-corpus.;
d) aferição de conhecimento mediante demonstração de produtividade através de fotocópias de despachos, decisões interlocutórias, sentenças e outros atos processuais.;
e) haver freqüentado, com aproveitamento cursos mantidos por instituições judiciárias ou universitárias de nível pós-graduação, de preparação e aperfeiçoamento de magistrados reconhecidos como tal através de ato baixado pelo Diretor da Escola Superior da Magistratura e anunciado por Edital, publicado no Diário da Justiça, convocado a inscrição os Juízes, na forma dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 79.;
f) Provar de residência na comarca.;
g) certidão de quitação de suas obrigações perante o Conselho da Magistratura e a Corregedoria Geral da Justiça.
§ 1º. A quinta parte da lista de antigüidade resultará da divisão por cinco (05) do número de integrantes da lista na data da abertura das inscrições para promoção, arredondando-se para mais um, se o número for fracionário. Não serão computados no cálculo da quinta parte os Juízes que estiverem em disponibilidade, bem como os Juízes que foram punidos com sanção de censura desde que ainda não haja ultrapassado o prazo de um (01) ano, contado esse prazo da data da aplicação.
§ 2º. No edital de convocação para inscrição, o Presidente do tribunal relacionará os nomes dos Juízes que integram a quinta parte da lista de antigüidade e que estão aptos a se inscrever.
§ 3º. Os integrantes da quinta parte convocada que não se inscreverem, serão tidos como não aceitantes do lugar vago e não mais poderão se inscrever, caso haja para mesma vaga, convocação da quinta parte subseqüente.
§ 4º. Em caso de não inscrição de qualquer Juiz à promoção, será baixado novo edital convocando à inscrição os integrantes da segunda quinta parte da lista de antigüidade e assim sucessivamente.
§ 5º. A presteza e a segurança será também objeto de análise por parte da Corregedoria Geral da Justiça e do Conselho da Magistratura. O Desembargador votante, por não se achar adstrito aos pareceres apresentados, porá à margem do nome do Juiz que escolher a indicação de seus méritos.
ART. 172. É obrigatória a promoção do Juiz que haja figurado por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento.
§ 1º. Se dois ou mais Juízes figurarem em uma mesma lista de promoção por merecimento pela terceira vez consecutiva, ou quinta alternada, terá preferência:
a) o mais antigo na entrância.;
b) o mais votado.;
c) o mais antigo no serviço público.
d) o mais antigo na carreira.;
§ 2º. Em caso de empate, nos critérios de aferição do merecimento, o Presidente considerará:
I - Obtenção de maior número de votos, observados os escrutínios.;
II - Em caso de empate na votação:
a) antigüidade na entrância.;
b) antigüidade na carreira.;
c) o mais antigo no serviço público.
ART. 173. Antes da votação e organização da lista tríplice, em sessão, o Presidente do Tribunal fará relatório dos pedidos apresentados no prazo do edital, podendo qualquer Desembargador usar da palavra, para encaminhar a votação.
ART. 174. A lista e merecimento para promoção será organizada pelo Tribunal, em sessão pública e escrutínio reservado, devendo conter os nomes dos três (03) Juízes mais votados, nessa ordem e com indicação do número de votos obtidos pelos magistrados indicados.
§ 1º. Na organização dessa lista somente os Desembargadores efetivos terão direito a voto e poderão sufragar até três (03) nomes.
§ 2º. Serão considerados classificados, para a formação da lista, os que alcançarem metade e mais um, pelo menos, dos votos dos Desembargadores presentes.
§ 3º. Aos Desembargadores, será distribuída, com razoável antecedência, relação de todos os Juízes inscritos, com indicação das comarcas já ocupadas e das punições disciplinares, porventura sofridas, cabendo ao Corregedor Geral prestar ao Tribunal os esclarecimentos julgados oportunos sobre a atuação deles.
§ 4º. A Corregedoria da Justiça organizará expediente relativos às atividades judicantes e culturais de cada Juiz, servindo-se dos elementos contidos nos relatórios, correições e autos, bem como os que forem voluntariamente fornecidos pelos interessados, para efeito de instruir o pedido de cada candidato inscrito.
ART. 175. A lista será entregue ao Presidente do Tribunal de Justiça, que fará escolha, promovendo o Juiz, no prazo de três (03) dias, mandado elaborar o ato e encaminhá-lo para publicação.
ART. 176. Para efeito da composição da lista tríplice o merecimento será apurado na entrância.
ART. 177. Não haverá promoção, por merecimento, de Juiz de Direito em disponibilidade, assim como não poderá figurar em lista de promoção, por igual critério, o Juiz punido com a sanção de censura, pelo prazo de 01(um) ano, contado da imposição deste.”

Falar-se em promoção por merecimento impende estipular critérios objetivos para aferir a competência dos magistrados no estrito exercício da função. Tal escopo é pura utopia.

Aos que sonhavam com a busca da perfeição no exercício na função viram-se decepcionados com o desvirtuamento do critério de promoção por merecimento, ostensivamente deturpado. Aos que enxergavam, desde o início, o meio de favorecimento de apadrinhados deleitaram-se com o tráfico de influência protagonizado nos próprios órgãos colegiados do Poder Judiciário. Têm sido esta última a tônica observada em quase a totalidade dos tribunais, com a institucionalização oficial do favorecimento aético .

Senão impossível, é utópica e sofismável a fixação de critérios objetivos quando se trata de merecimento.

Aferição de presteza no exercício da função pela demonstração, por meio hábil, no cumprimento dos prazos processuais em despachos, decisões interlocutórias e sentenças, bem como prestação de informações em mandado de segurança e habeas-corpus é o primeiro quesito examinável. Exige-se que o tribunal observe o efetivo cumprimento de prazos nas manifestações processuais, mas não se pode observar isto sem eficaz “correição” dos processos na comarca que revele esmiuçadamente toda situação processual.

Saliente-se que a atual disposição do Judiciário Cearense, assim como em outros Estados, permite que alguns juízes exerçam suas atividades com competente corpo de servidores que, quando devidamente instruídos, denotam expressiva diferença na execução do cumprimento de prazos. A atribuição de algumas atividades judicantes aos servidores são por muitos implementadas, o que externa até desequilíbrio no aferimento da produtividade.

Tal requisito não se presta, assim, para referenciar e reverenciar o juiz diligente. Não há como as corregedorias dos tribunais identificar tais notas identificadoras.

Isto ocorre ainda com as varas da Justiça Federal no Ceará. O merecimento também é critério de promoção aos magistrados federais. Conta-se sem reserva que na vara de probo magistrado tramitam mais de vinte mil processos, tornando imperiosa a participação de servidores selecionados por concursos públicos rigorosos. Exercem eles indispensável auxílio, verdadeiramente qualificado, em que preparam despachos e sentenças a serem somente assinados pelo judicante titular. Tal moção é corriqueira em quase todos os juízos federais do país, em que os recursos impetrados pelos órgãos e entidades públicas tornam inviável a administração proficiente da Justiça, fazendo exsurgir a idéia de criar mecanismos que dificultem recursos protelatórios, como a súmula vinculante, abominada por muitos juristas.

Questionável ainda é a duração do processo no segundo grau. Curiosamente, cabe salientar, que o processo onde reina o litígio decidido no primeiro grau e a vai ao segundo grau por recurso do vencido demora a retornar. O duplo grau, também matéria constitucional, pressupõe a existência de processo já instruído, em que os desembargadores, nos tribunais de Justiça, e juízes, nos tribunais regionais federais, deveriam julgar em menos tempo do que o utilizado na instância a quo. Não há mais instrução a proceder e, por isto, dever-se-ia ocorrer em menos de ano, o que é raro.

Aliás, no Brasil, como ocorre na Itália, consoante aponta Mauro Cappelleti ¹, ocorre um profunda “desvalorização do juízo de primeiro grau, com a conexa glorificação, se assim se pode dizer, dos juízos recursais.” Daí a saturação dos tribunais de segundo grau e conseqüente morosidade dos julgamentos. Temos que as pessoas afortunadas nunca se contentam com a decisão do primeiro grau, pois procuram sempre promover recursos até o limite do possível, talvez usufruindo do tempo demandado para a solução definitiva. Somente os menos afortunados resignam-se com a decisão a quo por não estarem munidos de condições adversas capazes de insistir junto aos tribunais. Mas é o juiz de instância inferior o verdadeiro formulador de jurisprudências por dar aos casos jurídicos soluções que entende adequada após a análise dos fatos e das provas, fazendo com que o tribunal ad quem confirme ou reforme o que foi já decidido, com pouquíssimo inovação ao processo.

O reconhecimento da morosidade da Justiça, já cediço e incontestável, encontra metáfora na legislação processual. A tutela antecipada criada pela reforma de 1994 prestigiou o direito verossímil do autor em detrimento do intuito procrastinatório do réu. O próprio legislador já demonstra de forma concreta a intenção em criar mecanismos para abreviar o resultado do processo em favor daquele que tem, de fato, o direito. Não se pode premiar o infrator, ou aquele contra quem é movido o processo, com a demora demasiada do processo, o que representa verdadeira injustiça.

Defendo a idéia que tem cabimento mandado de segurança contra a demora de magistrado presidente de processo quando não o julga ou dá seguimento observando os prazos processuais. Isto porque é direito constitucional a postulação em busca de prestação jurisdicional presumivelmente rápida e a demora representa negação do direito, recaindo o magistrado em falta constitucional, gerando direito a ser amparado pela segurança referida. A demora na condução dos processos é objeto também de aferição do mérito para promoção, mas deveria ser efetivada pela corregedoria de Justiça de forma objetiva e com devida padronização das análises, com uniformidade em todos os Estados da Federação, por ser a promoção atributo constitucional da função judicante.

Alguns magistrados que defendem o critério de merecimento sustentam que o bom juiz, aplicado e sédulo, não mais terá incentivo com o fim do critério, afundando-se no ostracismo. No entanto, se fosse esta a regra, o mesmo ocorreria com os não menos ilustres membros dos tribunais ad quem. Chegando um magistrado ao cargo de desembargador com idade de cinqüenta anos, como já ocorreu no Ceará, ficaria ele até a idade de setenta anos vivendo em puro exílio por não vislumbrar ascensão na carreira. De igual forma teríamos os membros do Ministério Público, em que promotores são içados mais cedo ao cargo e procurador.

Mais ainda se daria com Ministros do Supremo Tribunal Federal, como, por exemplo, o ilustre Ministro Marcos Aurélio que chegou ao excelso com “tenra” idade, possível para ser mais de uma vez Presidente daquele colegiado mor. Caiu ele no marasmo repulsivo por não mais almejar promoções? A resposta pode ser observada pela profícua demonstração de sua produtividade inconteste, onde destaca-se pelos posicionamentos.

O requisito da honestidade e a verificação da personalidade dos juízes são pressupostos necessários, com a colaboração de profissionais qualificados para isto. Pela personalidade afere-se o caráter, a serenidade, a probidade e conduta social do judicante. Tais requisitos não são levados muitos em conta pelos tribunais, o que representa erro injustificável.

A aferição do preparo intelectual dos juízes é um ponto de extrema relevância, que se liga diretamente às concepções atinentes ao papel social por eles exercidos. Para análise de mérito na promoção não basta verificar se tem o magistrado conhecimentos técnico-jurídicos, sob pena de transformar-se em eficiente burocrata. É indispensável, para razoável desempenho, que haja franca consciência de que os casos submetidos à sua decisão implicam interesses sociais, o que o torna servidor público por excelência e mais sensível aos percalços gerados pela convivência humana.

O Direito se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. Mas, como pode o judicante aplicar o Direito como liberdade conscientizada cônscio de que não é reconhecido seu mérito com Justiça na hora das promoções? Tem o judicante a consciência de que deve aplicar o Direito atendendo às peculiaridades dos casos postos à sua apreciação. Mas, como pode o magistrado manter sua serenidade para fazer Justiça se é vítima de manobra iníqua quando concorre à promoção. Aqui cabe o argumento de que corre sim o risco de imergir-se no ostracismo, mas quando é ele preterido ciente de que tem mais mérito do que outro para ser promovido.

Tem-se que averiguar se o juiz demonstra condições para avaliar os processos com equilíbrio, independência (real), objetividade e com atenção especial aos aspectos humanos e sociais, e se vem agindo com firmeza e serenidade. Além disso, deve o magistrado primar pela sensibilidade tendente a perceber os comportamentos humanos, decisiva para a solução dos casos pela conciliação.

Há considerável resistência de alguns juristas, falando de critério de promoção por merecimento, à exigência de curso de aperfeiçoamento para os juízes. De fato pode ser um magistrado extremamente culto e estudioso, com notável saber jurídico, mantendo-se atualizado sem que seja imprescindível sua freqüência em recitados cursos. Tem ele iniludível possibilidade de aperfeiçoamento constante até mesmo pelo exercício natural de suas funções e afinco nos estudos continuados e incansáveis, leitura direcionada à cultura jurídica e social, além de pesquisa em instrumentos modernos como a internet. Temos hoje, no cenário nacional, diversos juristas de renome que nunca procuraram cursos de aperfeiçoamento.

A crítica ainda refere sobre o reconhecimento oficial de que os cursos de aperfeiçoamento não estão presentes na preparação dos judicantes no segundo grau, uma vez que os desembargadores não dependem mais de promoção. Pode ocorrer, e normal que ocorra, que um juiz chegue ao desembargo sendo sempre promovido pelo critério da antigüidade, fazendo-o a exceção da necessidade de tais cursos. O certo é que todos os juízes e desembargadores deveriam ser orientados a ingressarem em cursos de “atualização e aperfeiçoamento” organizados pelos tribunais em convênio com as escolas oficiais de Direito, mas sem obrigatoriedade nem exigência para promoção.

Tais cursos devem incluir programas relacionados à noção de ética, direitos fundamentais e interpretação das normas legais e jurídicas, além de discussões voltadas à prática das atividades judicantes com o objetivo de formulação de súmulas e padrões a serem adotados corriqueiramente, mas sem obrigatoriedade. A experiência de juízes mais antigos aliada à jovialidade dos recém-chegados deve trazer idéias significativas ao arejamento do Judiciário.

Aferição de conhecimento mediante demonstração de produtividade através de fotocópias de despachos, decisões interlocutórias, sentenças e outros atos processuais também não demonstra com objetiva serenidade o quilate do juiz. Igualmente, o conhecimento não se aquilata por concursos públicos e nem mesmo por apresentação de trabalhos jurídicos.

Decisões proferidas por juízes são emissão de juízo de valor relativas a fatos concretos, ora examinados. Tais conhecimentos são relativos, pois não significam a verdade por estarem sempre sujeitos à reforma de órgão colegiado superior. Tal iminência impregna no juiz o senso da perfeição, natural de qualquer profissional cônscio de suas habilidades, capaz de tirá-lo do ostracismo.

Impossível é avaliar o conhecimento se o próprio avaliador não tem critérios claros para defini-lo. Conhecimento é ato ou efeito de conhecer.; idéia.; informação.; notícia.; ciência.; prática da vida.; experiência.; discernimento.; critério.; apreciação. A vida de cada profissional é que vai determinar o grau de seu conhecimento. Ser aplicado e primar diuturnamente pela curiosidade de aprender é fundamental, mas não suficiente.

O conhecimento jurídico depende de critérios vastos e induvidosamente dissipados. Comum é que determinado juiz demonstre afeição ao processo civil e ojeriza a processo penal, sem contudo descurar-se de seus afazeres. Nem todos os profissionais prezam todos os ramos do Direito igualitariamente. O judicante que tem o domínio de boa parte de todos os ramos do Direito e demonstrando coerência em suas manifestações processuais é melhor do que outro, especialista em somente Direito Penal? Ambos têm suas qualidades: O primeiro por externar produtividade razoável em todos os processos indistintamente, o segundo por explorar detidamente os meandros da matéria penal, produzindo peças de referência e qualidade, sem, contudo, desempenho razoável nas outras matérias.

Outro critério ressalta a freqüência, com aproveitamento, de cursos mantidos por instituições judiciárias ou universitárias de nível pós-graduação, de preparação e aperfeiçoamento de magistrados. Importante que se ministrem cursos e palestras aos judicantes com o fim de reciclagem dos profissionais, mas é conveniente que os ensinamentos sejam direcionados aos assuntos cotidianos do magistrado. Afinal, o que se busca é o melhor desempenho do juiz no exercício de suas funções e não habilitação para a promoção, somente.

É válido para mim que o juiz de comarca interiorana necessita de conhecimento ligado à cultura regional, que facilite a condução dos processos encetados por litígios, objetivando à solução mais abreviada e justa, ou menos traumática aos querelantes, como recomenda a legislação processual civil. A busca da Justiça passa imperiosamente pelo conhecimento e penetrar nos conceitos e teorias de psicologia, história, sociologia, política e economia pode ostentar significância maior do que decorar Códigos e normas legais. Conhecer Leis auxilia, mas não torna ninguém um juiz.

A preparação do magistrado deveria encetar nas próprias faculdades de Direito, inclusive relativamente aos cursos e seminários destinados especialmente às carreiras ligadas à atividade jurisdicional, em nível de graduação e posterior. Neles seria importante atenção não apenas ao preparo jurídico, mas também aos aspectos envolvidos no desempenho da judicatura com fim de apurar as qualidades imprescindíveis ao seu exercício, traduzidos pelo equilíbrio, firmeza de caráter, objetividade, imparcialidade, saúde psíquica, além de profícua capacidade de crítica do comportamento humano. Estas qualidades deveriam ser analisadas para o merecimento, mas isto inocorre.

O real aperfeiçoamento da mente humana é insuscetível de residir apenas no conhecimento da Lei, pois a norma positivada não encerra todo o Direito. Todo o sistema de valores socialmente consagrados de uma sociedade reside ainda na literatura, nas artes e, primordialmente, na ética. É dever de cada magistrado dominar o Direito, conhecer a norma legal e as técnicas de sua aplicação, e a percepção dos anseios da sociedade para, de forma racional e pela ética, alcançar o aprimoramento do ideal de Justiça.

Deve o juiz, ainda, aprender a tolerar as falhas dos homens e ser intolerante somente em relação à arrogância e à violência. Deve ser ele aberto às transformações sociais do mundo, respeitando às alterações de valores e padrões, considerando imexível a concepção de dignidade humana, um dos dogmas sedimentados na Constituição da República Federativa do Brasil.

A Lei diz ainda que a presteza e a segurança será também objeto de análise por parte da Corregedoria Geral da Justiça e do Conselho da Magistratura. O Desembargador votante, por não se achar adstrito aos pareceres apresentados, porá à margem do nome do Juiz que escolher a indicação de seus méritos. Porém, como avaliar a presteza e a segurança preconizadas, inerentes muitas vezes de grande maioria dos profissionais da área jurídica? A presteza retrata a agilidade, mas urge que seja com qualidade. A segurança é critério incerto e subjetivo, não mensurável por elementos lúcidos e dirimentes. O exame é superficial e não têm os tribunais com fazer diferente, dada a própria natureza do instituto.

Não conta no juiz a inteligência. Basta ser ela normal para poder chegar a compreender, como encarnação do homem mediano, neste aspecto, conta sobretudo a superioridade moral, que deve ser tamanha que faça o juiz perdoar ao causídico ser mais inteligente que ele. Sabedoria para ouvir e sopesar os males que envolvem a questão posta à seu juízo são essenciais em cada julgador.

Prega-se considerar a produtividade de um juiz no exercício da judicatura. No entanto, de um lado leva-se em conta a quantidade de decisões proferidas descurando-se de observar a qualidade. Pode um juiz prolatar mil sentenças sem qualquer conteúdo científico e literário, revelador de mérito, enquanto outro prefere vinte, de dez laudas cada, que representam verdadeira obra prima jurídica, capaz de alterar o posicionamento de jurisprudência dos tribunais.

Na verdade, nunca os tribunais observam os reais méritos dos juízes para promovê-los porque não há como determinar tais critérios determinadores.

O artigo 172 do CODOJECE, acima recitado, garante que é obrigatória a promoção do Juiz que haja figurado por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento. Tal dispositivo é o reconhecimento da imperfeição do sistema, reconhecendo reparação às eventuais injustiças. É certo que tais circunstâncias ocorrem com relativa freqüência e faz revelar quão imperiosa é a necessidade de questionamento. Inexistente este dispositivo, correria o Juiz, constante da lista do primeiro quinto, o risco de ver-se preterido por outro recém-içado do segundo quinto. Que mérito tem um juiz que figura por cinco vezes em lista tríplice escolhida, se não o foi promovido antes? Tem o tribunal realmente intenção em promovê-lo por “merecimento”? São os requisitos e qualidades deste juiz realmente analisados? A resposta será sempre negativa quando o colegiado tem intenção em promover determinado juiz, incontinenti, mesmo que não seja o mais antigo na entrância.

De igual forma é a imperiosa necessidade de que os candidatos à promoção por merecimento estejam no primeiro quinto. Se não fosse assim, juízes de outros quintos passariam a frente por seus méritos ou por decisões meramente políticas proferidas pelo pleno do colegiado. Aqui vê-se que o próprio legislador reconheceu a possibilidade concreta de decisão política capaz de influir na escolha de juízes à promoção. Se fossem os requisitos de ordem exclusivamente técnica, seria possível a promoção de juiz de constasse do último quinto, quando seus méritos realmente autorizassem, configurando-se verdadeira Justiça.

O sonho de uma máquina judiciária rápida e eficaz é permanente. Esforços estão sendo envidados para tornar mais céleres as demandas com, inclusive, a criação de juizados especiais a serem reverenciados pelas inovações da Lei 9.099/95. Contudo, a rapidez dos processos não é tudo.; é preciso que as decisões nele proferidas sejam justas. O bom nível de qualidade das decisões tem sido objeto de pesquisa na Itália, num prolongamento de estudos objetivando a Justiça, encetados pelos mestres franceses: Condorcet (1785), Laplace ( 1814), poisson (1835) e Cournot (1843). ²

Não se pode olvidar que há favorecimento político e ideológico nos tribunais, como em qualquer outra entidade pública ou privada. As afinidades pessoais e as influências sempre interferirão nas votações para escolha das promoções por merecimento, o que o vicia o procedimento.

Argumento iniludível é o tempo efetivo de exercício do judicante. Dois juízes ingressam por meio de concurso e um deles é mulher. Em ano que ela se afasta por licença maternidade e permanece assim por quatro meses, deixando de preferir decisões e de realizar atos de judicatura, sofre um atraso considerável para aferimento da capacidade, representada pelo número de feito julgados, por mera imposição biológica.

Aqueles que defendem o grau de especialização do juiz, pela prática de cursos, para sobrepor-se na carreira enganam-se. Se dois juízes probos e diligentes têm quatro cursos de especialização, em grau de pós-graduação reconhecido como aperfeiçoamento, e empatam nos outros elementos de aferição, há que se encontrar novo requisito para o desempate. Recaímos no mesmo problema: igualdade de condições. Já no critério de antigüidade não há dúvidas: aquele que assume o cargo de juiz em determinada data prefere a outro mais recente.

Quando o critério técnico é preterido por imposição política, o sistema revela insegurança. Não há mais por que manter tanta hipocrisia. Hipocrisia ostensivamente indisfarçada. A insatisfação dos membros do Judiciário que não têm parentesco para guindá-lo na carreira já perdura há lustros, sem perspectiva de mudança por ausência de vontade dos dirigentes do Poder. Muitos só conseguem promoção por antigüidade, por discordarem de certas propostas de relação.

Não se pode negar que a votação feita pelos membros que compõem o colegiado mor dos tribunais age politicamente na escolha. O sistema sempre observado e praticado obriga aos juízes um contato direto prévio com os superiores votantes, suplicando por votos para indicação. Quem realmente trabalha e é preterido vê-se traído pela ingratidão, pois o reconhecimento com louvor é o prêmio maior do profissional proficiente e probo. É inadmissível que tenha um Juiz que suplicar por votos quando do advento da promoção, pois certamente permanecerá esquecido se não o fizer, como sói acontece.

No sistema da legalidade, baseado na justa divisão dos poderes, a Justiça deve ser rigorosamente separada da política. A política vem antes da Lei, é o trabalho de que nasce a Lei. Mesmo que o juiz pudesse esquecer, enquanto julga, suas opiniões e sua condição pessoal, sempre teria o dever de interpretá-la, para aplicar fielmente a norma. Interpretá-la é remontar a razão de ser que a deu origem, isto é, remontar a inspiração política que circula nela e a torna socialmente atual. O certo é que toda a interpretação de uma norma legal vem carregada de uma certa margem de opção política. ³

Calamandrei salienta ainda que debaixo da ponte da Justiça passam todas as dores, todas as misérias, todas as aberrações, todas as opiniões políticas, todos os interesses sociais. E seria bom que o juiz fosse capaz de reviver em si, para compreendê-los, cada um desses sentimentos: experimentar a prostração de quem rouba para matar a própria fome ou o tormento de quem mata por ciúme.; ser sucessivamente inquilino e locador, meeiro e proprietário de latifúndio, operário em greve e industrial.

A ética merece ser exaltada, sob pena de estarmos invertendo os valores a serem considerados. Tal critério de merecimento tem servido para que os tribunais acomodem politicamente magistrados dentro do Poder. Inocorre tal fato com o critério da antigüidade.

Vivemos numa sociedade corrompida pela vaidade. E este, acredito, é o maior dos males do ser humano porque dele exsurgem todos os outros vícios da personalidade e está em todas as classes e castas. A vaidade já levou a humanidade a guerras, levou à tomada brusca de poder, com ruptura sangrenta de sistema político, culminou com atos de traição, entre outros acontecimentos sociais.

Parafraseando o Desembargador Dinio de Santis Garcia 4, em artigo intitulado “A crise da Justiça e suas Causas”, “os juízes são extremamente críticos em relação à estrutura e ao funcionamento da Justiça. São os primeiros a reconhecer as deficiências do sistema e a clamar por reformas, quando não as podem fazer sozinhos. Como muitos dos melhoramentos desejados dependem de recursos, que sempre escasseiam, é vigoroso, entre os magistrados, o movimento que objetiva a efetiva independência financeira do Poder Judiciário.” Desta proclamação dessumo que a dependência financeira do Poder, que não tem órgão arrecadador semelhante ao Executivo, torna-o extremamente vulnerável e suscetível à ingerências políticas impedidoras de efetiva autonomia. Tal fato repercute também na escolha dos membros do Judiciários, mormente quando há interesse dos governantes em manter alguns privilégios postos em questões juridicamente apreciáveis.

Com profundo descontentamento condeno a forma de escolha de membro de Tribunal pelo Chefe do Executivo. Isto porque o escolhido é, em geral, aquele que mais tem proximidade política, ao menos pelas idéias e preferências. E, com isto, sente-se eterno devedor do referido Chefe que o escolheu devolvendo-lhe o favor em oportunidades outras, até no exercício de suas sagradas funções. Assim, a política vicia a imparcialidade do magistrado tornando-o escravo de tendências partidárias.

A exacerbada ligação do Chefe do Judiciário com a chefia do Executivo não pode ser considerada relação normal. Pensa-se sempre que é a relação impregnada com caráter espúrio. Tem-se verificado que muitos presidentes atuam mais como políticos do que como juízes. A vaidade e volúpia de parecerem políticos ofuscam a prudência e sobriedade do judicante, fazendo, muitas vezes, conivente o Poder por ser o presidente ser ilustre representante.

Sobre a independência trago à lume breve relato informado por Dalmo de Abreu Dallari, em obra já citada mais adiante, página 138: “Um fato muito ilustrativo dessa convivência íntima e do que ela representa ocorreu há poucos anos no Estado da Bahia, tendo sido relatado, em palestra proferida na Associação Juízes para a Democracia, por Calmon de Passos, eminente processualista, professor da Universidade da Bahia. Segundo seu relato, o governador do Estado, homem dado a arbitrariedades e abuso de poder, deveria comparecer ao Tribunal de Justiça para prestar depoimento num processo. No momento em que se anunciou que o governador estava chegando, todos os desembargadores suspenderam suas atividades e foram para a rua, recepcionar o chefe do Executivo. Evidentemente, isso não era necessário e vai muito além da cortesia protocolar, mostrando o grau de dependência política e psicológica do tribunal em relação ao governador. E não se perca de vista que eram aqueles os desembargadores que deveriam julgar os atos daquele governador.”

É difícil para o magistrado encontrar o ponto de equilíbrio justo entre o sentimento de independência em relação às outras pessoas e o espírito de humildade. Deve ser altivo sem culminar no orgulho e humilde sem subserviente. Deve ter segurança para defender sua opinião contra os poderosos os contra as dialéticas insídias dos causídicos, sem descurar-se sempre de estar atento às opiniões alheias, analisando-as a sopesando-as para o seu convencimento. Reconhecer o erro e envidar esforços para repará-los é a mais límpida atitude adotada pelo juiz sereno, adorador da verdade e ciente que suas limitações terrenas.

A vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos foram consagrados como predicamentos da magistratura, indispensáveis ao exercício do cargo. Mas a estabilidade psíquica, também necessária as atividades, também passa pelo reconhecimento das habilidades através das promoções. Todos os magistrados almejam galgar o ápice da carreira, com chegada ao cargo de desembargador. Porém, quando determinado juiz, aprovado em concurso público de provas e títulos em colocação privilegiada na lista de aprovados e mantém-se na carreira por anos com os predicados de um bom juiz, torna-se defensor do fim critério de merecimento quando é preterido por outro “politicamente” mais influente e com menos qualidades.

Sobre a independência dos membros do Poder Judiciário, é inquestionável que não pode o magistrado não pode sofrer qualquer tipo de pressão, ameaça ou violência, constrangimento de qualquer espécie, sob pena de verem-se fragilizados os princípios constitucionais vinculados ao exercício do Poder e da jurisdição. Abominável, assim, é a idéia de criação de controle externo do Poder Judiciário por órgão estranho, pois tal censura pode interferir na jurisdição viciando a imparcialidade do judicante. Ressalto, no entanto, que as Corregedorias de Justiça não desempenham a contento sua função mormente quando é constatada infração perpetrada por membro de colegiado, onde o corporativismo escancarado tem normalmente prevalecido.

Certa vez, quando em contato verbal e amistoso com o juiz titular da Comarca de Frecheirinha, neste Estado, soube do mesmo que a Corregedoria Geral de Justiça, por um dos seus juízes auxiliares, o perquiriu sobre a ínfima quantidade de sentenças proferidas no período de um mês, revelada no relatório mensal. O judicante respostou asseverando que suas decisões tinham conteúdo jurídico e, para isto, necessitava de tempo para estudar o assunto posto ao seu crivo, no processo, e para elaborar o decisum fundamentadamente. O juiz auxiliar retrucou e afirmou que para a Corregedoria era mais importante o número de sentenças proferidas, ou seja, a quantidade de decisões. Desde este dia o nobre colega titular da cidade interiorana mudou sua postura e, decepcionado, viu como o descaso do órgão despreza a cultura jurídica e o zelo com que desempenhava sua função.

A idéia de que as decisões de primeira instância pode ser reformada pelo tribunal ad quem é capaz de exercer sobre o judicante prolator influências benéficas ou não. Alguns sofrem antecipadamente acreditando que a reforma significará um atestado de incompetência proferido pelo tribunal, influindo diretamente no futuro de sua carreira e pesando nas promoções. Há, inclusive, idéia absurda de deputado, a ser inserida em votação do Congresso Nacional, que sugere a perda de cargo do judicante que não tiver suas decisões confirmadas em certo percentual pelo tribunal a que está vinculado.

Outros juízes, cônscios da idéia que todos os homens cometem erros, aceitando isto com tranqüilidade, acreditam que podem suportar melhor o tormento da responsabilidade por saberem que seus erros serão reparados por julgadores de apelação.

Como se sabe, não pode um judicante ser avaliado por decisão confirmada ou reformada pelo tribunal. São diversos os casos verificados na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em que o juiz de primeiro grau decide uma causa, o tribunal de segundo grau a reforma e o S.T.J. reforma o decisum do tribunal para confirmar a sentença do juiz de primeiro grau. Tal decisão, quando trânsita em julgado, tem força constitucional de coisa julgada, mas nem por isto significa que é ela absolutamente correta e representa o melhor direito. As teses jurídicas não são necessariamente permanentes e constantes, ocorrendo sempre mudança de posicionamento nos tribunais sobre temas postos em votação, às vezes polêmicos, o que demonstra a dinâmica da ciência do Direito, social por excelência. .

O renomado jurista Dalmo de Abreu Dallari, em sua obra O Poder dos Juízes salientou que: “No Brasil têm sido mais comuns os casos de corrupção de magistrados do que de violência contra eles. Essa corrupção é feita , habitualmente, com certa sutileza, mascarada de homenagens bem intencionadas ou de colaboração recíproca no interesse público. Mas seja qual for a forma de agressão à probidade ou à liberdade dos magistrados, ou mediante uma associação imoral ou por via de violência, tais agressões degradam ou enfraquecem a magistratura. Um risco muito sério em relação a este tipo de interferência na magistratura é a reação corporativa que, com o propósito de autodefesa, acaba levando a resultado oposto, prejudicando o Poder. (...) É o que se verifica na atitude de juízes que, sem espírito crítico, aceitam passivamente a associação de magistrados com políticos que são demagogos ou corruptos notórios, ou ambas as coisas ao mesmo tempo.” 5

Em outra passagem, às fls. 137, bem lembrou que: “A organização padronizada tem sido, em grande parte, em dos pilares de sustentação dos interesses das oligarquias estaduais e dos grupos sociais predominantes. Esse tipo de organização mostrou-se conveniente para as elites políticas e sociais dos Estados, pois, em regra, tem assegurado proteção judiciária quase absoluta para os governos estaduais e tem deixado muita liberdade para que, quanto a temas de grande alcance social, se aplique o direito de acordo com os interesses dos grupos sociais predominantes em cada Estado. Escudadas na autonomia do Estado, as oligarquias estaduais fazem seu próprio direito, muitas vezes contrariando a Constituição da República, graças ao relacionamento íntimo e à troca de gentilezas entre o Tribunal de Justiça e o Chefe do Executivo Estadual.”

O asseguramento da independência dos membros do Poder dá a tranqüilidade necessária para o mínimo exigível ao desempenho da função judicante. E tal independência passa também pela justa escolha no momento das promoções, com público e sério reconhecimento do mérito de quem o tem de fato, sem qualquer interferência de ordem política, pessoal ou financeira. Um pedido do chefe do Executivo é bastante para direcionar as decisões referentes à promoção.

Em outro plano, é cediço que o Poder Judiciário não tem meio próprio de arrecadação para remunerar seus membros e servidores auxiliares, dependendo do aparelho estatal, por seus órgãos de arrecadação e fiscalização. Isto faz com que os repasses dependam sempre de ajuste entre a cúpula do Judiciário e o chefe do Executivo criando uma relação de semi-serviência institucionalizada. Neste momento, questiona-se qual a real autonomia do Poder. Tal fato acontece em todos os Estados brasileiros bem como com a União Federal, que suplicam por mais recursos para contratação de mais servidores e aumento do número de juízes. Os orçamentos anuais do Judiciário em grande maioria dos Estados-membros, cuja Lei é de iniciativa do Poder, sofrem cortes quase sempre substanciais, tornando mais sofríveis as intenções de reaparelhar e modernizar os serviços forenses. As críticas proferidas contra o Judiciário pelo Executivo, pelo Legislativo e pela sociedade não leva em consideração tais dificuldades operacionais.

No Estado de São Paulo há pouco mais de cento e trinta desembargadores para uma população de vinte e cinco milhões de pessoas, lá residentes. Isto demonstra a discrepância na relação entre a Justiça e o cidadão, fazendo com que os processos demorem ad infinitum. Não muito diferente ocorre com o Tribunal de Justiça “Alencarino” que conta hoje com vinte e três desembargadores para julgar os recursos e ação de competência originária de quase sete milhões de habitantes, potenciais clientes do Judiciário.

Hegel deixa claro - diz Bárbara Freitag - que o ponto de vista moral do sujeito, com sua ação e seu julgamento, não faz sentido fora da sociedade, e esta, por sua vez, precisa ser regida por princípios éticos, normas de ação válidas para todos e conscientizadas e respeitadas por cada um. O Estado ou a sociedade civil não teriam existência própria se não fossem mantidos e renovados, em sua existência ética, por sujeitos dotados de liberdade de ação, moralmente conscientes da responsabilidade que essa liberdade lhes impõe e que reconhecem como válidas as leis gerais. 6

Calamandrei, em sua obra já referida neste trabalho, página 287, fez consignar a seguinte história, que bem amolda-se ao propósito aqui colimado: “Um construtor de edifícios vendera a uma senhora casada um apartamento em construção, comprometendo-se a entregá-lo acabado dentro de certo prazo, mediante pagamento do preço. O apartamento foi entregue no prazo, mas o preço não foi pago.; por fim, o construtor foi obrigado a citar a senhora em juízo para fazer com que fosse obrigada a pagar.

Na primeira audiência diante do juiz de instrução, este se demonstrou fracamente convencido de boas razões do construtor e dirigiu à senhora inadimplente palavras de severa censura. Mas, na audiência seguinte, em que se tratava de admitir as provas requeridas pelo autor, a atitude do juiz mudara da água para o vinho: deu francamente a entender que o construtor estava errado e declarou inaceitáveis as palavras por ele oferecidas.

O advogado do autor, amigo pessoal daquele magistrado, ficou tão perplexo com essa inexplicável mudança de cena, que não pôde deixar de lhe pedir explicações frente a frente. E o juiz, com ar sinceramente aflito, lhe disse:
— Vou lhe falar com o coração apertado. Na primeira audiência, eu ainda não sabia de uma circunstância decisiva, que descobri em seguida: aquela senhora é mulher de uma alto magistrado que faz parte da comissão julgadora da minha promoção. Estou sinceramente consternado com essa coincidência, mas você precisa compreender o que representa para minha vida uma promoção que espero há dez anos. Entenda que, nesse processo, o verdadeiro objeto da controvérsia não é o apartamento do seu cliente, mas sim minha promoção. E como o advogado não parecia persuadido com esse raciocínio, o juiz acrescentou:
— Também sei que é uma injustiça não lhe dar razão, mas me consolo pensando que, quando eu tiver salvado minha promoção com a sua sucumbência, os juízes de apelação certamente lhe darão razão.”

A decisão de promover juiz com preterição de direitos de outros infringe diversos dispositivos constitucionais. Fere o artigo primeiro por vergastar a dignidade da pessoa humana bem como os valores sociais do trabalho.; desrespeita também o caput do artigo quinto com tratamento desigual injusto.; afronta o caput do artigo trinta e sete quando desonra o princípio da moralidade, agindo o tribunal administrativamente quando decide as promoções.; além do artigo noventa três, na parte já citada neste trabalho, referente à presteza e segurança no exercício da função.

Assim, tendo o critério de merecimento demonstrado a total ineficiência para tornar digna e honrosa a atividade jurisdicional, encerro o presente trabalho defendendo o seu fim com a retirada do ordenamento jurídico e acreditando que o critério de antigüidade é o único democrático e justo, dada sua objetividade.

Na promoção por antigüidade há objetividade, pois é guindado ao degrau superior aquele mais antigo que não for rejeitado por dois terços dos membros do Tribunal de que faz parte o escrutinado.

Não age um tribunal eticamente quando promove juízes sem atender fielmente ao mérito de cada magistrado, preterindo o direito de outros. Agindo assim atua contrariando o princípio da moralidade, garantido constitucionalmente, uma vez que está em jogo direito inerente à carreira judiciária, atributo da função. A ética não se realiza na solidão de um sujeito nem na solidão de alguns sujeitos, mas na intersubjetividade social, no mundo cultural e histórico. Ou seja, toda ética está enraizada num campo histórico-cultural com o qual ela nasce, ao qual ela responde e o qual ela pode transformar. Ela pode, através da própria ação dos sujeitos morais, transformar o universo de valores culturais herdados, postos pela sua própria ação.

Ser ético é ser justo, respeitando direitos. É agir dentro de critérios morais e capaz de dar o direito a quem o tem. Juízes que aceitam promoções fulcradas em iniqüidade agem de forma aética, em verdadeira conivência com o Tribunal que decidiu a promoção. Age com sobriedade aquele que reconhece a injustiça e nega-se a aceitar promoção votada pelo Tribunal que não observou os requisitos para decidir em seu favor.

A seriedade nas promoções de entrância a entrância á relevante pois um só dia poderá influir na escolha futura para o cargo de desembargador, sonho natural na magistratura. Muito tempo separa o início da carreira com o ingresso dos judicantes no Tribunal e nem todos têm oportunidade de lá chegarem. Outros não chegam exatamente por terem sido preteridos no passado distante, representando prejuízo irreparável aos que idealizam o sentimento puro de Justiça. Frustrante é o fato de que competente judicante encerrar sua carreira sem a oportunidade de galgar o posto mor da magistratura porque foi preterido há anos atrás com uso de manobra politiqueira.

O verdadeiro juiz é aquele que consegue por seus próprios méritos exercer bem suas tarefas norteado pelo ideal de perfeição, delegadas que são pela sociedade ávida por dignidade e Justiça. Somente os serem humanos percebem o sentimento da injustiça.; o homem porém, muitas vezes, não reconhece o dom divino da inteligência para reverenciar sempre o justo.

Sugerido foi já aos senhores congressistas, deputados e senadores, que, em nome da dignidade na carreira da magistratura, reconheçam a total impossibilidade de fixação de critérios objetivos e claros para avaliar os juízes e fundamentar decisão de promoção do merecimento. Sendo subjetivas algumas considerações para a escolha do melhor juiz, emerge o risco de está-se cometendo erros que podem custar a ingratidão, difícil de ser reparada ao longo de toda uma carreira dedicada ao Direito.


Bibliografia e Notas


Nota 1 -
Revista da Escola Paulista da Magistratura, Associação Paulista de Magistrados, Ano I, n.1, setembro/dezembro, 1996, pág. 168.

Nota 2 -
Castelhano, C.Pace, C., Palomba, G. & Raspini, G. L’Efficienzia della Giustizia Italiana. 2 ed. Bari, 1970, p. 162.

Nota 3 –
Calamandrei, Piero, Elogio dei giudici scritto da un avvocato ( Eles, os juízes, vistos por um advogado) , São Paulo, ed. Martins Fontes, 1995.

Nota 4 -
Revista da Escola Paulista da Magistratura, Associação Paulista de Magistrados, Ano I, n.1, setembro/dezembro, 1996, pág. 175.

Nota 5 -
DALLARI, Dalmo de Abreu - O PODER DOS JUÍZES – São Paulo, ed. Saraiva, 1996, página 50.

Nota 6 -
FREITAG, Bárbara. Itinerários de Antígona - A Questão da Moralidade. São Paulo: Papirus, 1992.
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