Certa ocasião, um universitário concluindo o curso de Direito, nos procurou pelo Projeto zaP e pediu licença para que duvidas e curiosidades fossem questionadas e se possível sanadas sobre alguns tópicos do sistema prisional. E uma das questões interrogava-nos se o ambiente carcerário seria apenas um meio artificial que não permitiria de fato reabilitar a pessoa reclusa. Assim sendo, com uma opinião particular sobre o meu ponto de vista, fiz minhas colocações, que mesmo encontrando quem descordasse e descorde, ainda é a forma que acredito. Falo, embasada nos trabalhos que desenvolvo com toda a experiência vivida e que ainda vivo desde que passei a atuar nos cárceres com o voluntariado.
Afirmar que o ambiente carcerário é um meio artificial que não permite reabilitar pessoa reclusa, não é de forma alguma uma afirmativa aceita por Nós Humanistas e pesquisadoras que atuamos diretamente no sistema prisional, com funcionários, diretorias e principalmente com reeducandos, tendo condições de falar com veemente certeza por total conhecimento de causa.
Assim como em todas as empresas, as instituições familiares e os mais diversos setores da vida, há regimentos e regras para que o dia-a-dia siga de forma organizada e objetiva, o que chamo de organização operacional. Claro que cada seguimento, seja ele profissional, pessoal, ideológico, enfim, possui princípios e normas disciplinares que mesmo diversificadas, são necessárias. No mundo entre grades, estas normas não são diferentes e nem poderiam ser, pois é dentro do ambiente carcerário que se procura educar ou reeducar um indivíduo. Razão até pela qual, mantem-se regimes disciplinares rígidos e até os mais severos, como o RDD e o RDE.
Além da disciplina, que é administrada por um diretor específico para acompanhar a permanência da pessoa encarcerada, provocando condições para que esta pessoa saiba respeitar não só os agentes prisionais e diretores, como também tenha condições de manter um convívio com o restante da população, garantindo a segurança e o bem estar de todos.
Embora possa parecer "artificial" a disciplina é um dos princípios praticados dentro das unidades que fortalece o processo de reabilitação, pois impõe regras, limites e exigências que vão moldando os que não sabem conviver em comunidade.
Além da disciplina, existe uma grande preocupação com a condição psicológica da pessoa na condição de presa, pois a forma como esta recebe sua condenação, nem sempre faz jus ao delito. Não que o Poder seja injusto totalmente, nem se trata disso é que a falta de defensores, (o que se dá na maioria dos casos) muitas penas são aplicadas com rigor, o que seria diferente se não fosse pela ausência de defesa plena.
O acompanhamento psicológico, além de atender as necessidades conflitantes de muitos apenados, ainda busca tratar da parte emocional a fim de que este não provoque por revolta, atritos que podem lesar outros e principalmente a si próprio, fazendo entender que existe a obrigação moral de se pagar por erros cometidos e que de nada ira adiantar entrar em estado de conflito, uma vez que até que a judiciária da unidade (para os que não possuem advogados particulares) possam analisar processo e defender se for o caso, em recurso. O fato de estar diante de um profissional preparado para cuidar desta pessoa reclusa, inconscientemente vai mostrando o quanto é importante a preocupação com "o outro" valores estes que muitos só passam a reconhecer quando estão em condições semelhantes e recebem orientação.
Claro que nem todos que atuam dentro do sistema, trabalham com objetivo de reabilitar, aliás há os que nem acreditam na reabilitação, mas atuam pela necessidade do emprego.
A Educação assim como o trabalho é mais um aspecto fundamental para a capacitação, profissionalização e reabilitação da pessoa presa, pois muitos que os presídios adentram, mal sabem ler ou escrever e dentro do próprio cárcere, concluem seus estudos e adquirem seus certificados, o que resulta de forma positiva e propensa para uma vida menos problemática. Milhares de trabalhos são desenvolvidos, como oficinas culturais, laboratórios, projetos culturais, ensinos religiosos, tudo para levar a pessoa encarcerada a se reabilitar dentro da realidade no mundo extra grades.
Embora algumas Penitenciárias não tenham as mesmas estruturas ou desenvolvam os mesmos trabalhos de reabilitação, com esmero e boa vontade, foi-se o tempo em que aprisionar e deixar apenas a pessoa condenada contar os dias, era tudo o que o sistema permitia. Óbvio que são muitas as necessidades ainda, porém cada vez mais busca-se ressocializar, para que a pessoa na condição de presa, possa no final do cumprimento de sua pena
voltar para a sociedade e se reintegrar sem reincidir.
Assim sendo, Reabilitar é uma realidade que se busca de fato, e não tão somente uma forma de pregar aquilo que não se exerce para se destacar diretores, profissionais responsáveis e secretária, para buscar holofotes e se expor diante da sociedade.
Muitos acreditam que as condições materiais e humanas das prisões impedem a realização do objeto reabilitador, contudo, por maiores que sejam as dificuldades e até mesmo não negando que ha má vontade de alguns que poderiam mudar estruturas e métodos mais adequados para a reinserção social a situação é menos aterrorizante do que se fala ou se mostra.
Claro que existe toda uma escassez de recursos, e isso não é só no que diz respeito as condições materiais das prisões, mas sim na sociedade aberta como um todo. Se as condições materiais influenciam de forma a impedir os procedimentos de reabilitação, não teríamos dentro das periferias, morros, favelas, enfim crianças crescendo, buscando aprendizagem e educação mesmo que com a barriga vazia, nem pais e mães de família vivendo em condições de extrema precariedade, lutando com o nada de recursos, em busca de uma vida melhor para a si e para seus filhos. Condições materiais nos presídios, (não que estruturas sejam padronizadas, pois tudo varia muito de unidades para unidades) chegam as vezes, a serem muito mais "dignas" permitindo que reeducandos (as) vivam, se alimentem, aprendam, trabalhem, e mantenham uma permanência melhor do que seres que nada mais tem na vida, do que um jornal e um viaduto como morada, isso sem ser repetitiva e retornar a dar como exemplo os subúrbios, periferias, favelas, de onde saem pessoas brilhantes, íntegras, trabalhadoras e que fazem das dificuldades, combustíveis para mudar realidades não só de si e dos seus, mais de outros também. Assim sendo, se isso é fato e real, porque alguém que passa um período em um Presídio, não pode ter a oportunidade e credibilidade de mostrar que mudou, que sua proposta de futuro passou a ser outra? O que faz o objeto reabilitador surtir resultados positivos, vai muito além das condições materiais em que permanecem enquanto detidos, vai da vontade de querer mudar, do incentivo e preparo, do apoio de quem acredita no R da Reabilitação e da forma que paga por seus erros.
Pois uma coisa é certa, a escassez humana não esta apenas na falta de uma alimentação adequada, ou menos "pior" nem no uniforme amarelo (homem) laranja(mulheres), esta na aproximação familiar e na falta desta, no apoio dos profissionais e voluntários que entendem particularmente as dificuldades de cada um, não se atentando ao delito cometido, nem julgando e condenando duplamente por aquilo que já esta sentenciado. A escassez humana, também nem esta no número de funcionários que atuam nos Presídios, mas sim nas propostas dos trabalhos desenvolvidos e é irrelevante falar de escassez em se tratando do quadro de agentes, porque o que vale para resgatar a identidade social de um ser humano, não esta no quesito quantidade e sim qualidade.
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