EMANUEL ANDRADE LINHARES
O autor é professor de inglês
Publicado no jornal Diário do Nordeste, dia 5 de dezembro de 2005
O Poder Judiciário Brasileiro tem sua origem marcada pelo corporativismo - aspecto que mantém até os dias atuais -, formalismo intelecto-processual - símbolo de uma visão elitista de poder, distanciada das mazelas e realidades sociais, muitas vezes inatingíveis para determinados segmentos da sociedade civil -, e, sobretudo pela necessidade daqueles que se encontram no topo da pirâmide social de manter o “status quo” dominante, utilizando o Direito como forma reacionária de legitimar o que nem sempre é “justo”. Afinal, o Direito e a Justiça estão mesmo intrinsecamente ligados ou são apenas falsos cognatos que se repelem mutuamente?
Consagrados princípios constitucionais, tais como os da razoabilidade, proporcionalidade, igualdade e, sobretudo da dignidade da pessoa humana, parecem ser comumente ignorados em prol de um desvairado positivismo jurídico, distante da vida real, cercado de interesses obscuros e preconceituosos.
A Justiça brasileira, salvo excessivas, honrosas e progressistas exceções, é repleta de escandalosos exemplos de “dois pesos, duas medidas” quando se vê diante de casos concretos de crimes das mais diversas naturezas. O fato é que comumente ouvimos da elite que “é preciso acabar com toda e qualquer forma de direitos humanos”, que “bandido tem mais é que sofrer, ser humilhado, mazelado”, que “cidadãos de bem - nobres, ricos, honrados, com seus pomposos sobrenomes e títulos acadêmicos - merecem julgamentos diferenciados, direito à ampla defesa e ao contraditório” e que a Justiça dos pobres, negros e marginalizados (fácil então associar os chamados “marginais” com a situação humilhante e degradante que estão sentenciados para o resto da vida, desde o momento do nascimento, sem cometerem um delito sequer - ou será que seus crimes foram realmente terem nascido?) é ainda baseada na Lei de Talião, fundamentada na prática do “olho por olho, dente por dente”. Para que então falarmos em dignidade da pessoa humana se nunca foram dignos, nem muito menos humanos? Seus julgamentos são como de animais selvagens, porcos que querem pérolas, que merecem viver isolados do convívio social. Ótimo! Mais um “marginal” está preso! A sociedade, a massa intelectual, a elite consumista, se sente aliviada: um a menos para nos preocupar! A Justiça está feita.
E os ricos, onde ficam? Ah! A Justiça dos ricos é realmente diferente, e tinha que ser: expressões em latim, julgamentos ao vivo pelo STF, advogados com honorários que pagariam anos de cestas básicas a um daqueles “marginais”, jurisprudências, foro especial etc. Afinal, “cidadãos de bem” merecem respeito, são seres humanos dignos e admiráveis, se não pelo seu presente, pelo seu passado - se não pelo seu crime, pela sua profissão - se não pela sua biografia, pelo seu nome oriundo de família tradicional e imponente.
O mesmo Direito que até o presente momento não foi suficiente para processar e condenar criminalmente e civilmente o ex-deputado Roberto Jefeerson, réu confesso, que aparentemente não se sente incomodado com sua recente cassação, é forte e claro o suficiente para sentenciar à pena privativa de liberdade milhares, senão milhões, de brasileiros por pequenos delitos cometidos, muitas vezes fruto da desesperadora necessidade de sobrevivência e absoluta falta de perspectiva de melhoria social. Jefferson acabou se transformando em herói da burguesia nacional, símbolo da política rasteira, cínica, hipócrita e corrupta. Foi cassado, mas não sem antes garantir uma volumosa e generosa aposentadoria do Congresso Nacional e encaminhar parentes na vida política, voltou a advogar (?!) convicto de que o pior já passou. Talvez, para pesadelo da Nação, até ouse arriscar carreira de cantor ou apresentador de televisão. No fundo, ri de tudo e de todos.; debocha da Justiça e se diverte com toda a crise política nacional. Jefferson é nada mais do que o reflexo de boa parte da elite que vê em personagens como ele defensores de seus interesses pessoais e pouco afeitos à democracia e à política como instrumentos de se buscar a tão propalada Justiça Social.
Nessa mesma esteira, segue o recente exemplo de Paulo Maluf e seu filho. Unidos por algumas semanas na cadeia, para “lavagem de alma” da população e num sopro de honra e dignidade do Poder Judiciário, logo foram soltos. O motivo? A belíssima petição de habeas corpus impetrada por seus advogados no Supremo Tribunal Federal. Foi comovente assistir o ministro relator Carlos Veloso abraçar os tais advogados, com evidente alegria e orgulhoso do prestígio dado ao notório saber jurídico esboçado pelos causídicos. Viva a Justiça dos ricos! Aos intelectuais, a vitória da sabedoria! Aos pobres, a dor da impunidade, a certeza de que será candidato novamente e, principalmente, a crueldade dos milhões de dólares públicos em paraísos fiscais.
Enquanto a credibilidade do Poder Judiciário não for solidificada nos pilares da busca por Justiça Social e em exemplos concretos e contundentes de que o rigor da lei é também, senão, sobretudo, aplicado àqueles de classe econômica alta, de influência política etc.; Direito e Justiça parecerão pólos magnéticos opostos e repulsivos, que quando aparentemente se aproximam com igual força se repelem em função do descrédito de alguns e da hipocrisia de outros.