O amadurecimento democrático brasileiro vem permitindo que tradicionais problemas na administração pública, no âmbito dos Três Poderes, possam ser discutidos sob o prisma do interesse público e visando atender aos reclamos éticos da sociedade para que se possa expurgar práticas prejudiciais à nação -apesar de históricas-, aprimorando os mecanismos de controle em relação àqueles que exercem importantes funções no país.
Os agentes públicos devem visar o interesse público, não a satisfação de seus interesses pessoais ou familiares
O Conselho Nacional de Justiça analisou e decidiu pela ampliação da vedação do nepotismo no Judiciário, que, em âmbito federal, remonta a 1996, bem como é prevista em alguns Estados da Federação, entendendo que a impossibilidade de nomeação de parentes de magistrados, sem concurso público, deriva diretamente da Constituição Federal, em especial dos princípios da moralidade e da impessoalidade.
Os agentes públicos devem visar o interesse público, não a satisfação de seus interesses pessoais ou familiares. A prática do nepotismo é injustificável em nossa realidade, é imoral e fere a ética institucional que deve reger os Poderes de Estado por ferir o senso de razoabilidade da comunidade a utilização de cargos públicos para o favorecimento familiar e garantia de empregabilidade doméstica.
A única interpretação possível em relação ao nepotismo deve consagrar a supremacia da Constituição e de seus princípios, afastando qualquer possibilidade de nomeação em cargos em comissão, sem concurso público, de parentes de magistrados, pois o texto constitucional está condicionado pela realidade histórica, não podendo se distanciar da realidade política e social de nosso tempo, afrontando a ética da sociedade e ignorando os valores morais dos indivíduos, sob pena de perda de legitimidade daqueles que têm a missão de gerir os interesses do Estado.
A defesa da moralidade administrativa está intimamente ligada à idéia de proteção à probidade na administração pública, dever inerente de todos os agentes políticos, não bastando somente o cumprimento da estrita legalidade. É preciso também que se tenha a integral observância dos preceitos morais e éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato do poder público.
O Conselho Nacional de Justiça, ao exercer sua função constitucional, não se restringe somente ao exame da legalidade. Deve observar também a legitimidade das condutas do Judiciário e sua conformação com os textos constitucional e legais, além de sua adequação com a moral administrativa e com o interesse coletivo.
Os poderes públicos devem observar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça e ética das instituições em todas as suas condutas, inexistindo a possibilidade de nomeação, sem concurso público, de cônjuges, companheiros e parentes, bem como inexistindo direito adquirido ou ato jurídico perfeito a cargos em comissão cujas nomeações e investiduras anteriores, por serem precárias, desrespeitaram flagrantemente as normas constitucionais.
Como justificar que o nepotismo fere a Constituição e que, no entanto, aqueles que já estão nomeados, com claro desrespeito à moralidade e à impessoalidade, possam ser favorecidos, permanecendo em seus cargos?
Impossível afirmar que uma nomeação para cargo em comissão com a prática de nepotismo e, portanto, com cristalino desrespeito ético e legal, seja definitivamente consolidada, pois o que deve prevalecer é o texto constitucional, desrespeitado pela investidura dos cônjuges e parentes próximos de agentes públicos. Portanto, em 90 dias, no máximo, todos os servidores em situação de nepotismo deverão ser exonerados de seus cargos.
Não é razoável entender que o nepotismo respeita os princípios da administração pública. Não é razoável entender que o nepotismo não configura desrespeito aos princípios de impessoalidade e moralidade. Não é razoável entender que o nepotismo é permitido, ignorando o senso ético e moral da sociedade.
A Constituição veda a prática do nepotismo. O CNJ cumpriu sua função constitucional de zelar pela fiel observância dos princípios da administração pública no Judiciário e, conseqüentemente, determinou a vedação, salvo se servidor ocupante de cargo de provimento efetivo do Judiciário por concurso público, de nomeação para cargos em comissão ou designação para funções de confiança de parentes de magistrados, inclusive em relação ao denominado "nepotismo cruzado" (prática pela qual há trocas de nomeações de cônjuges ou parentes de magistrados em gabinetes recíprocos).
Essa importante medida contou com apoio da esmagadora maioria dos membros do Judiciário e das principais associações de classe dos magistrados trabalhistas, estaduais e federais, mostrando que a sociedade brasileira pode ter confiança e real esperança de aperfeiçoamento de nossa Justiça e no bom senso e retidão de nossos juízes.
Alexandre de Moraes, 36, professor doutor e livre-docente da USP, é membro do Conselho Nacional de Justiça. Foi secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania em São Paulo (2002-2005). É autor, entre outras obras, de "Direitos Humanos Fundamentais".