Processo n. 854/2004
Representante: IDEMAR LOIOLA CITÓ
Representado: PATRÍCIA PEQUENO COSTA GOMES DE AGUIAR,
Representado: FRANCISCO ALVES PASSOS,
Representados: LUIS ALVES NETO e LUIZ TOMAZ DINO
D E S P A C H O
Designado por decisão do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Ceará para o exercício da jurisdição eleitoral no vindouro biênio 2005/2006 na 19ª Zona, venho, em cumprimento ao art. 267, § 7º, do Código Eleitoral, proferir decisão com exame das razões dos recursos interpostos contra sentença prolatada nos presentes autos pelo judicante Roberto Soares Bulcão Coutinho – magistrado então em exercício nesta Zona Eleitoral.
Ponto que merece intróito é a nova titularidade. Como novo juiz eleitoral da 19ª Zona, entrei em exercício dia 19 de dezembro. O destaque é necessário para afastar o princípio processual da identidade física do juiz, previsto no art. 132 do Código de Processo Civil, vez que ele não faz nenhuma ressalva que estenda a aplicação do princípio até esta fase, chamada de “juízo de retratação”.
A presente fase requer o exame dos pontos manejados nas peças de irresignação – os recursos.
Das razões dos recursos.
No primeiro recurso eleitoral inominado interposto em 3.12.2004, Patrícia Pequeno Costa Gomes de Aguiar (candidata à reeleição ao cargo de prefeito), Francisco Alves Passos (candidato ao cargo de vice-prefeito), Luis Alves Neto e Luiz Tomaz Dino (candidatos a vereador) suscitam, em longo arrazoado:
a) que a decisão proferida teve como único fundamento a presunção.;
b) que a jurisprudência dominante exige o pedido expresso de voto além da comprovação inequívoca de autoria ou anuência dos candidatos beneficiados da captação ilícita.;
c) que a decisão recorrida não demonstrou a existência da captação ilícita de sufrágios.;
d) que não há vinculação eleitoral entre os recorrentes e as senhoras Sandra e Ana Paula, presas em flagrante no dia da eleição com panfletos de candidatos, dinheiro e um cheque do marido da candidata à reeleição no cargo de prefeito.;
e) que lista de nomes supostamente encontrada com as detidas não significa que elas estavam comprando votos.;
f) que o cheque de R$ 1.500,00 encontrado com elas não era destinado à compra de votos.;
g) que os santinhos encontrados justificam-se pela existência do pleito.;
h) que a perícia feita em portão confirmou a inexistência de obra recente, o que configura a falta de ligação com execução de serviço noticiado na lista.;
i) que os ofícios expedidos pelo juízo obtiveram as respostas que isentam os recorrentes de captação ilícita de votos.;
j) que as testemunhas oitivadas disseram não ter conhecimento de qualquer ato considerado ilícito ligado à compra de voto, muitas surpresas pelo fato de verem seus nomes incluídos na lista.;
k) que os candidatos não compraram votos nem permitiram que alguém fizessem em seu nome.;
l) que as flagranteadas negam a compra de votos em nome dos candidatos.;
m) que as provas necessárias para condenação têm que ser robustas.
Outro recurso eleitoral inominado foi formulado em 6 de dezembro pela Coligação “TAUÁ CADA VEZ MELHOR” e pelo PMDB. Suscitam:
a) que a decisão proferida destacou a intenção das detidas em efetuar compra de votos, mas nada ficou provado sobre a efetiva captação ilícita.;
b) que ocorreu a nulidade da decisão porque o judicante estaria impedido de funcionar no feito em face de sua participação direta na prisão em flagrante de Sandra e Ana Paula.;
c) que a decisão de primeira instância baseou-se em presunções.;
d) que não restaram provas da vinculação do cheque encontrado com as detidas e a compra de votos.
Um terceiro recurso eleitoral inominado foi interposto em 6 de dezembro pelo candidato a prefeito Idemar Loiola Citó. Nele se alega que a decisão proferida deve ser reformada na parte que deixou de decretar a inelegibilidade dos recorridos, argumentando que ficou evidenciado comprometimento da lisura do pleito.
Ninguém argüiu vício decorrente de falta de contraditório ou defesa ampla.
O Ministério Público Eleitoral opinou pela confirmação da decisão da instância inicial primária.
Da preliminar de nulidade.
A preliminar de nulidade suscitada pela Coligação e pelo PMDB não pode prosperar. A jurisprudência do TSE é no sentido de que os "juízes eleitorais, com base no referido poder de polícia, podem e devem reprimir a propaganda eleitoral, impedindo que tenha continuidade. Quando se trata de aplicação de penalidade, entretanto, necessário procedimento a ser instaurado a requerimento do Ministério Público ou dos que para isso se legitimam, nos termos do art. 96 da Lei 9.504/97" (Ac. 15.883 e Ac. 2.096, rel. Min. Eduardo Ribeiro). Há súmula do TSE, registrada sob o n. 18, que impede que o juiz instale procedimento judicial para apurar veiculação de propaganda irregular.
O poder de polícia, que não depende de provocação, deve ser exercido quando o juiz eleitoral considerar haver irregularidade, perigo de dano ao bem público ou ao bom andamento do tráfego (TSE - RMS- 242 – Minas Gerais – Rel. Min. Fernando Neves - 17/10/2002). A Resolução TSE n. 21.610, de 5.2.2004, diz no art. 69:
“O poder de polícia sobre a propaganda será exercido exclusivamente pelos juízes eleitorais nos municípios, pelos juízes designados pelos tribunais regionais eleitorais nos municípios com mais de uma zona eleitoral, ou, nos municípios com mais de duzentos mil eleitores, pela comissão encarregada da propaganda, sem prejuízo do direito de representação a ser exercido pelo Ministério Público e pelos demais legitimados”.
No caso dos autos, o inc. II do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97 considera como crime, no dia da eleição, puníveis com detenção e multa, a distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendentes a influir na vontade do eleitor (é a tão reprimida “boca de urna”).
Assim, cabendo ao juiz eleitoral coibir propaganda, agiu certo o juiz quando foi às ruas para reprimir a “boca de urna”. Era sua obrigação. E a abordagem feita pelo juiz e pelo promotor na companhia de policiais não configura irregularidade capaz de macular a prova, pois, da mesma forma que a lei dá o poder de polícia ao juiz, não cria circunstância que o impeça de funcionar no feito posteriormente.
Isto é assim porque para o rito previsto no art. 22 da LC n. 64/90 aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil. Neste ponto, não há nos arts. 134 e 135 do CPC – que tratam da suspeição ou impedimento – motivo que restrinja o conhecimento e julgamento do feito.
Em suma, repito, não há nenhum dispositivo de lei que proíba o juiz de funcionar em feito processual – presidindo-o – quando participa de diligência no cumprimento do poder de polícia para coibir propaganda eleitoral ilícita. Não merece outra sorte a argüida preliminar de nulidade, pelo que hei por bem rejeitá-la.
Da captação ilícita de sufrágio.
O artigo centro da celeuma tem a redação dada pela Lei n. 9.840, de 28/9/99, assim:
“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.”
Os verbos das ações que podem configurar a captação ilícita de votos são: doar, oferecer, prometer e entregar. Os conceitos devem ser os mesmos do vernáculo, ou seja, da nossa língua portuguesa. Por referência de De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico, ed. Forense, 1991 - temos:
1. “Doar” lembra “doação” e significa ato de liberalidade pelo qual a pessoa dispõe de bens ou vantagens integradas em seu patrimônio em benefício de outrem, que os aceita.;
2. “Entregar” vem do latim tradere (dar em mão, passar a outro) e significa o ato pelo qual se passa para mãos de outrem o que se tinha, seja porque a este pertencesse, seja porque se fosse obrigado a transmitir a coisa, efetivamente.;
3. “Prometer” lembra “promessa” e significa o ato pelo qual a pessoa se empenha ou se compromete a dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Exterioriza-se pela manifestação de vontade em que se evidencia a intenção de contratar uma obrigação ou executar um ato jurídico.;
4. “Oferecer” vem do latim offerre (oferecer, expor, mostrar, apresentar) e tem como significado o ato de ofertar, fazer oferta ou propor.
Não se está examinando aqui tipo penal. O art. 41-A inaugurou novo conceito de ilícito eleitoral não penal, a exemplo da lei 8.429/92, que trata da repressão aos atos de improbidade administrativa. Para isto, o art. 41-A elegeu os verbos “doar”, “oferecer”, “prometer” e “entregar” como força motriz para verificação de novo instituto do Direito Eleitoral: a captação ilícita de votos. Assim, por óbvia conseqüência, não ocorrendo qualquer das ações representadas por ditos verbos, descabe a aplicação das sanções de multa e cassação de registro ou diploma.
E essa captação ilícita de voto pressupõe contato direto do candidato ou terceiro, comprovadamente a ele vinculado, com o eleitor para obter-lhe voto, mediante promessa ou efetiva entrega de dinheiro, bens, serviço ou emprego (Djalma Pinto, in Direito Eleitoral, São Paulo, Atlas, 2003).
Em um ponto discordante da sentença, tenho por certo que o dolo deve ser específico, ou seja, a intenção certa de produzir o fim especial, qual seja, “... o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública...” (trecho da redação do art. 41-A da Lei n. 9.504/97).
Pela posição que ora predomina no T.S.E., o art. 41-A considera captação ilícita de sufrágio por parte do candidato a doação, oferecimento, promessa, ou entrega ao eleitor de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, com o fim de obter-lhe o voto, perfazendo-se a conduta ilícita com a prática, participação ou anuência explícita do candidato (Ac. n 19.566/2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.; 1.229/2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, e 704/2003, rel. Min. Fernando Neves). Veja-se que a simples anuência do candidato à captação de votos é suficiente para configurar o ilícito eleitoral. E “anuir” significa dar consentimento, aprovação.; estar de acordo.; condescender, assentir, consentir.
No REspe n 19.566/MG, Ministro Sálvio de Figueiredo (DJU - 26.4.2002), o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que:
“resta caracterizada a captação de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei 9.504/97, quando o candidato praticar, participar ou mesmo anuir explicitamente às condutas abusivas e ilícitas capituladas naquele artigo”. Decidiu ainda o T.S.E., ademais, que: “para a configuração do ilícito previsto no referido art. 41-A, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral, porquanto a proibição de captação de sufrágio visa resguardar a livre vontade do eleitor e não a normalidade e equilíbrio do pleito, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte (Acórdão n. 3.510).” (REspe n. 21.248 - SC, Ministro Fernando Neves, DJ de 8.8.2003).
Assim, quando se trata da captação vedada de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei n 9.504/97, nela introduzida pela Lei n. 9.840/99, não se investiga a potencialidade (próprio da investigação de abuso do poder econômico), ou seja, se a compra de voto tinha condições de influir no resultado do pleito ou na lisura dele. Como por diversas vezes declarado pelos tribunais eleitorais – incluindo o T.S.E., o bem jurídico protegido não é o resultado da eleição, mas, sim, a livre formação da vontade do eleitor (Ac. n. 4.033, relator Min. Peçanha Martins.; Ac. n 19.739.; 21.248, relator Min. Fernando Neves). Desse modo, desnecessário inquirir se houve tentativa ou compra de um, dois ou cem mil votos. Basta apenas um para caracterizar a infração e justificar a sanção.
Na verdade, não basta, para os fins a que se refere o art. 41-A, que o candidato seja mero beneficiário da ilicitude cometida por terceira pessoa. Revela-se imprescindível que se estabeleça, entre o ilícito eleitoral em questão e o candidato, uma dupla vinculação causal, tanto de caráter objetivo, quanto de ordem subjetiva, o que reclama prova consistente, clara e inequívoca de que, se o candidato foi o autor material e direto de qualquer das condutas vedadas ou ao menos a estas aderiu de modo consciente e voluntário.
Tratando-se de representação, como no caso, de que possa resultar a cassação do registro ou diploma de candidato, nenhuma imputação de conduta eleitoralmente ilícita se presume provada. Esta afirmação, que decorre do consenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, apenas acentua a inteira sujeição ao ônus material de provar a imputação deduzida daquele que atribui a alguém fato ilícito.
E urge sobrelevar que a interpretação sobre punição é restritiva, ou seja, literal em relação à verificação da prática efetiva dos verbos denunciadores da ação tida como ilícita. Isto é certo porque se trata de restrição de direitos – regras de exceção – e a própria Constituição Federal preconiza a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei (art. 5º, II, CR/88). Disto dessumo: em matéria eleitoral tudo o que não é vedado em lei é permitido.
Com a ação do legislador aprovando a Lei n. 9.840, o art. 41-A traz infração que se assemelha aos ilícitos penais, em que os verbos se constituem o ponto central da ação definida como ilícitas (para alguns até delituosas). O estudo do citado artigo nos permite inferir que, mesmo não sendo infração penal, se aplica a ela o princípio da “presunção de inocência” – melhor chamado de princípio da “não-culpabilidade”, este último termo é construção da jurisprudência e doutrina pátrias –, considerando que as reprimendas são restritivas de direitos: a multa sobre a propriedade e a cassação de registro ou diploma sobre condição de elegibilidade.
Por conseqüência, meras conjecturas sem concatenação lógica – que sequer podem conferir suporte material a qualquer imputação – ou simples elementos indiciários desvestidos de maior consistência probatória não se revestem, em sede judicial, de idoneidade jurídica para ensejar convencimento condenatório. Não se pode – tendo-se presente o postulado constitucional da não-culpabilidade – atribuir relevo e eficácia a juízos meramente conjecturais, para, com fundamento neles, apoiar um inadmissível decreto de cassação do registro ou diploma, além de multa.
Não se questiona aqui a eficácia probante dos indícios, mas se enfatiza que a prova indiciária - para viabilizar um juízo de condenação (penal ou civil) - deve ser veemente, convergente e conectada, não excluída por contra-indícios, nem abalada ou neutralizada por eventual dubiedade que possa emergir das conclusões a que tal prova meramente circunstancial dê lugar, sob pena de o acolhimento judicial desses elementos probatórios indiretos, quando precários, inconsistentes ou impregnados de equivocidade, importar em incompreensível transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade.
É que os indícios somente terão força convincente quando concordes e concludentes, pois indícios que não sejam coesos, firmes ou seguros não podem legitimar, a meu juízo, um decreto de condenação ou, como no caso, de cassação de diploma. Ou seja, ninguém pode ser condenado por presunção de que um fato está provado.
No presente caso, a representação que provocou o juízo eleitoral aponta a ocorrência da expressão “arsenal de compra de votos”, não impedindo que o juízo centre suas atenções em outras condutas descritas para tipificar a captação ilícita de sufrágio mesmo após a apuração dos fatos.
Das provas
Questiona-se nos autos a falta de prova para configurar a captação ilegal. Ela, a prova, sempre deverá ser encarada como um meio de demonstração de fatos ou, em última análise, como o produto desta demonstração, que subministra ao destinatário – o juiz – o conhecimento necessário.
E nestes autos é possível enxergar, prima facie, que a decisão contemplou indícios para chegar à sua conclusão.
Estão colacionados à representação que inaugura o processo os seguintes escritos:
a) cópia de auto de prisão e apreensão.;
b) cópia de cheque de R$ 1.500,00 assinado por Domingos Gomes de Aguiar Filho, marido da candidata à reeleição no cargo de prefeito.;
c) cópias de panfletos em papel, indicadores de simuladores de voto.;
d) cópias de cartão de identidade partidária de Ana Paula dos Santos Gonçalves.;
e) cópias de escrito relacionando pessoas, endereços e supostos valores.;
f) cópia de escrito com título “lista de solicitações”, em que estão relacionados nomes, endereços, supostos motivos de solicitação e valores.;
g) cópia de certidão de casamento.;
h) cópia do auto de prisão em flagrante de Sandra Maria dos Santos Gonçalves e Ana Paula dos Santos Gonçalves.
Da documentação acostada, vejo que as listas sugerem, de fato, a idéia de doação ou entrega de bens móveis a pessoas, constatação ainda mais precisa quando se observa o símbolo “R$”, dedutivelmente se referindo a dinheiro.
A inicial apontou ainda testemunhas para serem oitivadas em juízo, algumas infirmadas pela contradita.
Francisco Renato Carvalho disse ter conhecimento de que as detidas Sandra e Ana Paula são “simpatizantes” das candidaturas dos representados. Falou ainda que são parentas dos candidatos a vereador ora representados, sendo que é uma irmã da servidora municipal que exerce a função de chefe de gabinete da prefeita candidata à reeleição. Soube por comentários que elas estariam comprando votos. Não viu os representados pessoalmente comprando votos nem os viu pedindo alguém para fazê-lo.
Sobre este depoimento, cabe notar que a função de chefe de gabinete é uma das que exigem maior relação de absoluta confiança.
Antônio Isac Brito Gonçalves também soube por populares que as detidas estavam comprando votos e distribuindo panfletos em favor dos representados. Acrescentou que viu as listas aprendidas com as detidas, mas não confirmou se pessoas receberam bens nelas relacionados. Disse não ter tido contato com pessoas que noticiassem proposta para vender o voto.
Francisco da Costa Feitosa ouviu de um homem que não conhecia o fato de que duas mulheres em um carro preto estavam distribuindo cimento, pneus de bicicletas e botijão de gás. Ouviu outros comentários de que elas estavam comprando votos para a candidata Patrícia. Confirmou que não viu os representados aliciando eleitores ou ordenando que alguém o fizesse.
Antônio José Oliveira viu as detidas entrando em algumas casas do bairro da PROURB, além de aglomeração de pessoas. Viu ainda vários mototaxistas carregando sacos de cimento e aparelhos sanitários, e dois deles entregando em casas do bairro. Percebeu diversas casas com material de construção nas calçadas no dia em que Sandra e Ana Paula foram presas. Disse que telefonou para a polícia porque percebeu que elas estavam comprando votos. Confirmou que elas são parentas dos representados Luiz Alves e Luiz Tomás, não sabendo precisar o grau.
Antônio Gomes da Silva Câmara é filiado ao PMDB e disse que compra, vende e aluga carros. Disse ainda que o deputado Domingos Filho costuma alugar carros quando seus filhos estão em Tauá. Revelou sua amizade aproximada com a candidata Patrícia e seu marido. Disse que estava surpreso com a apreensão do cheque, asseverando saber que o mesmo foi emitido para compra ou aluguel de veículo dias antes.
Luiz Freitas Carvalho Júnior pouco informou, mas confirmou que a candidata costuma alugar carros em Tauá.
O deputado Domingos Gomes Aguiar Filho, casado com a candidata à reeleição, confirmou o aluguel de FIAT/SIENA para uso em Tauá pelo valor de R$ 1.500,00 por mês. Confirmou sua amizade com Tadeu, homem que lhe locou o veículo. Mencionou ainda que as detidas são “simpatizantes” da candidatura da candidata Patrícia.
Os autos mostram três recibos (fls. 187, 188 e 189) supostamente assinados por Tadeu, indicadores do pagamento de aluguer do veículo de placa HXA 5863.
Luiza Maciel de Oliveira não soube informar nada sobre compra de votos. Nega ter recebido visita de algum candidato.
Francisco César da Silva negou ter recebido uma carrada de barro branco por ocasião campanha eleitoral. Negou também ter recebido visita de candidato ou pessoa ligada a algum.
Aurinete Moreira Dias disse que não foi visitada por candidato ou pessoa ligada a algum. Confirmou que no início da campanha recebeu em sua casa rapazes e moças indagando-a sobre suas necessidades, prometendo retornar depois, sem pedir nada em troca. Disse que não voltaram.
Antônia Estrela da Silva Ferreira negou ter sido presenteada com portão nem outra ajuda qualquer. Destacou que nunca foi procurada para falar se necessitava de ajuda em troca de voto.
Sobre esta última, houve notícia de que a mesma teria sido beneficiada com reforma em portão. Perito nomeado pelo juízo constatou a inexistência de reforma nos últimos três meses.
Luiza Matias de Sousa negou que conhece as detidas. Negou ainda ter sido beneficiada com alguma ajuda para exercer seu voto, nem que adquiriu colchão nos últimos meses. Nega que houve promessa de compra de voto.
A sentença menciona que alguns depoimentos são de pessoas carentes. E nenhuma confirmou a existência de promessa de ajuda ou compra de voto nem qualquer promessa.
Sandra Maria dos Santos Gonçalves, uma das detidas, é servidora estável da Prefeitura desde 1983 e disse ter estranhado alguns itens encontrados na lista. Disse não reconhecer a lista como sua e que o dinheiro que conduzia era destinado ao transporte de professores para curso de capacitação. Confirma que levava em sua bolsa alguns santinhos, mas não lembra de quais candidatos eram. Disse o cheque de R$ 1.500,00 era destinado para pagamento de aluguel de carro – o FIAT/SIENA usado pela candidata Patrícia, e devia ser entregue ao seu marido Tadeu. Assevera que não trabalhou em prol de nenhum candidato na campanha eleitoral, mas que é amiga dos candidatos representados. Disse que o marido não tem conta bancária e usa a dela para fazer transações comerciais.
Ana Paula dos Santos Gonçalves, a outra detida, disse que é irmã da chefa de gabinete da Prefeita. Negou ter conhecimento da existência da lista encontrada no instante da prisão. Confirmou amizade com os candidatos representados.
Antônia de Melo Cardoso disse que não trabalhou para nenhum candidato nas eleições. Não foi procurada por ninguém com proposta de compra de voto.
Francisca Barbosa Lô da Silva também não recebeu proposta de compra de voto. Disse que algumas moças fizeram pesquisa sem fazer promessa de algum tipo de ajuda. Soube que seu nome estava na lista encontrada com as detidas, e ficou surpresa com isto.
Patrícia Pequeno Costa Gomes Aguiar negou participação em qualquer ato voltado à compra de voto. Confirma que as detidas são “simpatizantes” de sua candidatura, mas nega que elas participaram da campanha. Soube do próprio marido que o cheque de R$ 1.500,00 era destinado ao pagamento de aluguel de carro SIENA, utilizado no transporte dos filhos em Fortaleza. Sabe que Sandra é funcionária pública estável há mais de vinte anos. Nega ter aliciado eleitores ou prometido dinheiro ou emprego em troca de voto, assim como não anuiu nem permitiu que alguém fizesse em seu nome.
Luiz Tomaz Dino também negou qualquer envolvimento com as duas detidas, mesmo confessando que é primo delas. Disse que elas não trabalharam em sua campanha e que nunca comprou voto nem pediu que alguém comprasse em seu nome.
Luis Alves Neto confirmou que as detidas não participaram em sua campanha. Não sabe dizer o motivo pelo qual a lista encontrada com elas destinava três votos para ele. Disse que nunca comprou voto nem nunca pediu que alguém o fizesse em seu nome.
Das alegações finais
Importa ao juízo o cotejo das alegações finais, em que os argumentos de cada parte interessada constroem as respectivas teses.
O representante Idemar Loiola Citó, pedindo a procedência da representação, aduz:
a) que os três recibos referentes aos aluguéis do SIENA não servem para comprovar fato algum, dada a falta de reconhecimento da firma. Diz ainda que não poderiam ter sido emitidos porque o senhor Tadeu não tem firma legalmente constituída.;
b) que a prova da captação ilícita de votos é conclusiva e incontestável, dito pelo relatório da delegada de polícia às fls. 409 e que o parecer do Ministério Público às fls. 500 destaca a existência de fortes indícios da participação da prefeita nos fatos apontados como ilícito.;
c) que os representados foram efetivamente beneficiados pelos atos de captação de votos vedados por lei, com anuência disfarçada.;
d) que a relação íntima entre as detidas e a prefeita está provada pelo parentesco com a chefe de gabinete e cunhadas de secretário municipal, além primas dos dois representados candidatos a vereador.;
e) que uma das detidas trabalha na Prefeitura e a outra, que já trabalhou, atua no diretório regional do PMDB.;
f) que o deputado estadual, marido da prefeita, mantém estreitas relações comerciais com o marido da detida Sandra.;
g) que a “lista de solicitações”, em que estão relacionados nomes, endereços, supostos motivos de solicitação e valores, foi encontrada com elas.;
h) que contradições verificadas no depoimento de Sandra e dos policiais que fizeram o flagrante são relevantes para constatar a veracidade dos fatos, tendo ela mudado sua versão do inquérito no depoimento prestado em audiência perante o juiz.;
i) que ocorreu contradição no depoimento de Sandra sobre o cheque, quando disse na polícia que era para comprar um veículo e, na representação, que era para pagamento de aluguel de carro.;
j) que a intensa movimentação da conta bancária nos últimos 15 dias de campanha reflete o uso ilícito de dinheiro na eleição.;
k) que os depoimentos das testemunhas estão eivados por terem elas sofrido de “amnésia orientada”, revelando típica condução de informações.;
l) que a única exceção teria sido Antônia de Melo Barroso, declarante de que a prefeita foi ao seu bairro e pessoas ligadas aos representados foram perguntar o que as que moravam lá necessitavam.
Os representados, em alegações derradeiras, sustentam:
a) que não ficou provada a acusação da captação ilícita de sufrágio.;
b) que não houve compra direta de voto nem anuência para que alguém comprasse em nome dos representados.;
c) que em nenhum momento existiu qualquer vinculação entre os representados e a conduta das detidas.;
d) que as listas encontradas são documentos apócrifos que não servem para comprovar a compra de votos, fato confirmado por todos que foram oitivados em juízo.;
e) que o cheque encontrado foi a forma usada para pagamento de aluguel de carro.;
f) que os escritos contidos no envelope são apócrifos e possuem autoria desconhecida, e também não servem para provar captação ilícita de voto.;
g) que os santinhos encontrados são fruto da dinâmica da campanha eleitoral.;
h) que a perícia feita comprovou a inexistência de recente instalação de portão em casa de pessoa relacionada na lista.;
i) que os ofícios remetidos pelo juízo aos estabelecimentos comerciais obtiveram como resposta a não confirmação de supostas doações indicadas na lista.;
j) que as testemunhas não confirmaram a existência de compra de votos.;
k) que os representados não confessaram a compra direta ou indireta de votos.
A sentença acolheu parte da representação destacando: “Todas as evidências apontadas convergem para a existência de, pelo menos, promessa de bens (dinheiro, material de construção, colchões, passagem, portão, pagamento de água e luz, pneus e casa) a eleitores do PROURB, com o fim de obter-lhes o voto, como ficou demonstrado, pois na própria lista existe a menção a ‘três votos para Luis Alves’...” (SIC).
Comento legal e doutrinário
A sentença faz referência à desnecessidade de prova da negociação explícita de voto para julgar pela procedência, como exige o processo penal. Sustenta também que é possível a aplicação da presunção da negociação, se provado que ocorreu o aliciamento ou a tentativa, em decorrência terem sido os atos praticados no período de campanha eleitoral. E ressalta a dispensa a necessidade de identificação do beneficiário eleitor das ações tidas como ilícitas.
Por força do art. 23 da Lei Complementar n. 64, o Tribunal (leia-se juiz quando for o caso de eleição municipal - art.24) formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. Mesmo não sendo expressamente lembrado pela redação do art. 41-A mencionado, cabe consignar que ele contém o necessário para um julgamento conforme a legislação processual civil e os princípios básicos de justiça, aceitos pela jurisprudência dos tribunais eleitorais.
A palavra “indício” vem do latim indicare, significando indicar, apontar, mostrar com o dedo ou por meio de um sinal qualquer, demonstrar, revelar, levar ou conduzir a algum ponto. A terminologia indício possui filiação no latim “index”, “indicis”, decorrente da formação do “in” (em), do radical “dic” (mostrar) e “dicere” (dizer).
O nosso ordenamento jurídico contempla o entendimento de que o indício é meio de prova, isto por força do art. 239 do Código de Processo Penal. Por ele, o indício nos remeterá sempre para algo que fornece uma visão parcial ou não perfeitamente compreensível sobre determinado fato ou circunstâncias.
O indício é sempre um elemento circunstancial que se une a outros como forma de autorizar o convencimento ou não. Ou seja, ele é tido como circunstância ou fato conhecidos que autorizam algum tipo de conclusão sobre um outro fato ou circunstância desconhecidos, mas com os quais possuam algum tipo de relação. Nos termos da lei, a premissa menor ou fato indiciário é uma circunstância conhecida e provada, é um princípio de razão ou regra de experiência.
E a presunção? Bem, o nosso novo Código Civil a insere como meio de prova no art. 212, juntamente com a confissão, o documento, a testemunha e a perícia. Mas a doutrina afirma que ela é prova desde que seja prevista em lei, tais como: a presunção juris tantum (meramente relativa, isto é, prevalece até prova em contrário) e a presunção juris et de jure (absoluta por imperativo de lei expressa).
Distingue-se indício da presunção hominis (presunção humana, suposta da conduta normal aplicada ao caso particular
e sujeita à prova contrária dada sua fragilidade a permitir conclusões), pois esta se baseia também na experiência, mas por ela se considera como ocorreu um fato não provado, ou seja, é um conhecimento fundado sobre a ordem normal das coisas e dura até prova em contrário. Simples presunções, entretanto, não constituem indícios quando dos fatos se podem tirar ilações diametralmente opostas.
Difere também a presunção hominis da presunção legal, em que a regra de experiência em que se assenta está fixada pelo legislador numa regra de direito. A legal divide-se em presunções absolutas, que não admitem prova em contrário, das relativas em que a lei estabelece como verdade determinado fato ou circunstância enquanto não houver prova em contrário.
Cumpre analisar o papel dos indícios e presunções como base nos fatos denunciados. A presunção e o indício, a rigor, não possuem o mesmo sentido, conquanto expressem idéias correlatas. A presunção é o raciocínio, a operação intelectual que liga um fato conhecido (indício) a um fato desconhecido. E, em outro sentido, “presunção” significa o próprio fato presumido. Parte-se, assim, no raciocínio por presunção, de um fato conhecido, para se chegar a um fato desconhecido, mediante um juízo de probabilidade, que se constrói a partir daquilo que a experiência ou a ciência tem por comum ou ordinário para a espécie.
É possível asseverar que o indício autoriza a conclusão por indução. Mas, na verdade, quando o juiz reconhece sua existência, ele está fazendo um raciocínio dedutivo, com base em máximas de experiência. Desta forma, no conceito de indício deve se considerar o fato fonte da prova e a sua relação lógica com um outro fato ou circunstância, que seja objeto de investigação. Assim, é ele algo conhecido, que nos autoriza a chegar a alguma conclusão sobre o desconhecido, através de uma operação mental lógico-valorativa.
Tem-se por certo que os múltiplos indícios concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória máxima quando excluem qualquer condição favorável ao acusado. Os indícios podem assumir alta significação chegando a ultrapassar as lindes das probabilidades, levando à certeza.
Evidentemente, as provas indiciárias poderão ser invalidadas mediante contra-indícios ou qualquer outra prova que demonstre não serem os indícios suficientes para fundamentar a decisão punitiva.
Na verdade, sempre que se fala em indício, é necessário pensar no processo como algo dinâmico, cujo objetivo maior é a reconstrução do fato, para permitir ao juiz a aplicação da lei ao caso concreto. Nesta conformidade, ele aparece como elo de uma enorme corrente. Muitas vezes, o mesmo é elemento de coerência e permite o estabelecimento do encadeamento lógico do raciocínio do magistrado. Não se pode, portanto, tentar compreender o indício dissociado dos demais elementos, que integram o conjunto probatório. Ademais, dentro desta mesma perspectiva, nenhuma das informações probatórias, nem mesmo as diretas, podem ser analisadas ou compreendidas individualmente.
Ao contrário da presunção, é entendível que os indícios estão sempre apoiados em fatos ou circunstâncias que permitem ao intérprete a extração de uma conclusão lógica com referência a alguma indagação. Já as presunções decorrem exclusivamente de regras de experiência, introduzidas no ordenamento pelo legislador como legais além de outras, simplesmente presunções do homem.
Por fim, o indício é a prova e a presunção a conseqüência da regra de experiência ou técnica que permite valorar, que também pode chegar a tipo de prova quando disposta na lei. O indício pode ser anterior, concomitante ou posterior ao fato desconhecido que se investiga, enquanto que a presunção judicial surge necessariamente depois que o fato investigado ocorreu.
No indício existe prova, que não é direta, mas permite ao intérprete a construção de uma conclusão positiva ou negativa a respeito de um fato ou circunstância. A presunção só é prova quando decorrente da própria lei ou nos casos em que a lei não exclui a prova testemunhal (art. 230 do novo Código Civil).
Nestes autos não há como chegar à conclusão que existem presunções quando se examina os elementos que poderiam apontar para a admissibilidade dos argumentos da representação. A palavra presunção é derivada do verbo latino composto “praesumere”, que significa tomar antes, resolver de antemão, antecipar, prever, pressentir, conjecturar.
A presunção deve ser tida como sinônimo de preconcebido, de pressuposto. Outrossim, ao contrário de indício, presumir significa um pré-julgamento, com a consideração prévia de que algo é verdadeiro ou falso, mesmo antes de sua demonstração. Como regra, as presunções determinam a aceitação da veracidade ou falsidade de um fato (presunção absoluta) ou, determinam a inversão do ônus da prova (presunção relativa), àquele que pretende demonstrar o contrário.
No indício não há o pré-julgamento, reconhecendo que o raciocínio indutivo ou dedutivo (mais apropriado), sempre tem como ponto de partida o fato conhecido, utilizado como meio, para se chegar ao desconhecido. A indução (ou a dedução) utilizada na interpretação dos indícios não pode ser confundida jamais com o juízo preconcebido existente nas presunções.
Aliás, Vicente de Azevedo (in Curso de Direito Judiciário Penal. São Paulo: Saraiva, 1958, vol. II, p.12), de forma magistral, estabeleceu tal diferença, ao afirmar: “Por outras palavras, eis a diferença entre indício e presunção: indício é uma circunstância ou fato conhecido que serve de guia para descobrir o outro. De um fato conhecido, se deduz outro. O conhecido indica o outro. Presunção é operação mental, a interferência que por via do raciocínio, ou de experiência deduzimos do indício conhecido.”
Considerações sobre captação ilícita de sufrágio
Peço vênia para discordar da sentença em pontos decisivos, o primeiro referente a uma presunção. Não vejo conexão entre o momento pré-eleitoral de campanha e a presunção de troca de benesses por voto. Digo isto porque acredito que a conduta tida e esperada pela sociedade como padrão é a busca do voto sem troca de qualquer tipo de benefício pessoal ao eleitor, em decorrência direta do sufrágio. O contrário seria acreditar que todos os políticos são corruptos, pois a compra de voto é ato legalmente definido como crime, e como tal classificado como de corrupção. Seria correto presumir que todos são bandidos?
Do processo, é certo que algumas indagações podem ser feitas:
1) A lista de nomes sem depoimentos que ampliem ou confirmem o que nela está escrito dão a certeza que ocorreu mesmo doação, oferta, promessa ou entrega de coisas ou bens?
2) É possível presumir que as pessoas nominadas na lista receberam bens mesmo negando em depoimentos?
3) É cabível a aplicação de multa e cassação de registro ou diploma com esteio em indícios não confirmados por outras provas?
4) É possível que as detidas Sandra e Ana Paula estivessem dando início às ações preparatórias de captação de votos no instante em que foram abordadas?
5) É possível que tenha havido captação ilícita de votos com a distribuição de casas populares?
6) As contradições dos depoimentos podem levar a algum juízo de convicção?
7) Existe presunção de que as testemunhas mentiram ao negarem recebimento de dinheiro ou bens para votarem?
A primeira indagação deve ser respondida negativamente. Afinal, não há dúvida de que a lista representa indício de que teria ocorrido ao menos um dos verbos que configurariam a captação ilícita de voto, mas sem uma confirmação torna-se peça vazia, inútil, sem alma a dar-lhe vida. É como um trem sem os trilhos: não irá a parte alguma.
Também é inconcebível que a lista sirva como instrumento para presunção. Não me parece concebível declarar que a simples existência da lista permitirá presumir que houve entrega ou promessa de coisas em troca de votos.
Cogito que a “lista de solicitações” sequer pode ser considerada prova documental. Isto ocorre porque um documento só é assim considerado quando ele tem relação de prova com um fato. E a lista, sem algo a ampará-la (ou completá-la), não serve para provar coisa alguma.
A segunda indagação não pode ter outra resposta: não é possível. Ela não autoriza o juízo de procedência para aplicação de pena de multa e cassação de registro ou diploma por não se tratar de presunção decorrente de lei de forma absoluta. Ademais, as pessoas que foram chamadas para depoimento devido à constatação de seus nomes na lista não teriam o dever de confissão, considerando que isto as levaria a processo pela prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral (crime por receber dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para dar voto), pois, pelo Direito Penal brasileiro, nós, que somos signatários do acordo internacional na Costa Rica, devemos observar o art. 8.º, II, g, do Pacto de San José: "ninguém tem o dever de auto-incriminar-se".
A terceira demanda pede um estudo de todos os indícios do processo. Se a lista com nomes e endereços sugere a idéia de doação ou entrega de dinheiro a pessoas, ainda mais por constar o símbolo “R$” indicando números que parecem valores, só pelo que está escrito não permite presumir que houve a efetiva doação ou a efetiva entrega. Esta conclusão é reforçada pelo fato de que nenhuma testemunha chamada a juízo pelo fato de ter sido o nome incluído na lista confirmou recebimento ou promessa de dádiva ou qualquer ajuda.
A movimentação bancária de Sandra também é fato suspeito, até enquadrado como indício, mas sem possibilidade de vinculação com atos de captação de sufrágio por inexistir conclusão segura sobre a movimentação da conta corrente. Nenhuma relação foi provada entre a campanha eleitoral dos representados e estas operações financeiras.
O cheque emitido no valor de R$ 1.500,00 também é indício, mas sua fragilidade é reforçada diante da ausência de outro elemento a dar-lhe validação convincente. Do contrário, o argumento de que o título de crédito seria usado no aluguel de carro é razoavelmente aceitável, configurando-se como contra-indício.
A própria sentença do judicante Roberto Bulcão destaca que “nada existe nos autos que vincule diretamente o cheque emitido à captação ilícita de votos ...”, achando estranha a juntada de recibos anexados na última audiência, papel comum, sem timbre ou inscrição de empresa locadora.
E estes recibos, manuscritos e com assinatura, podem cair na irrelevância por não estarem com firma reconhecida. Mas cabe a eles o mesmo argumento usado para o cheque: não há como constatar que foram efetivamente feitos para justificar o pagamento do aluguel. Ou seja, paira a incerteza de sua essência finalística.
Tenho por certo que, quanto ao parágrafo anterior, os estilos de vida de cada pessoa são inerentes a diversos fatores. Deixar de usar papel timbrado e reconhecer firma podem ser características de estilo, baseada na confiança pessoal e a demonstrar menos organização, mas que nada prova contra quem os emitiu.
É curioso que nenhuma importância tenha sido dada ao dinheiro em espécie encontrado com Sandra e Ana Paula. Mas, de fato, a quantia de R$ 338,20 pouco representa para alguém que pretende comprar votos em comunidade composta de muita gente.
A quarta indagação deve ter resposta positiva. No entanto, o fato de pessoas terem sido flagradas com elementos definidos como indícios de prática de supostos atos preparatórios de crime não permite levar à conclusão que ocorreu circunstância elementar a constituir fato típico, mas, sim, suposto ato de cogitação, que, por si só, não autoriza juízo de constatação para deduzir certeza de condenar. Nem presumir que elas se preparavam para comprar votos é possível.
Da quinta indagação, melhor prova deveria ter sido feita quanto à forma de seleção de casas para pessoas carentes de habitação. O uso de verba pública empregada na construção de casas populares a serem distribuídas em período próximo de eleição representa forma disfarçada de captação de votos, pois a carência de “teto” é reconhecidamente acentuada entre os mais desvalidos e a gratidão ao gestor que beneficia morador com casa é retribuída com voto de familiares, parentes e aderentes.
E o gestor municipal pode defender-se dizendo que a verba foi creditada nas contas da Prefeitura na sua gestão, ainda não concluída, e precisa ser aplicada em favor dos munícipes.
Sobre a casa referida na sentença, atinente ao cadastro em que foi beneficiada Luiza Matias de Souza, não há comprovação da ligação com fim eleitoral. Nem a data da aprovação do cadastro está bem definida no depoimento, fato importante para aquilatar interesses.
A sexta indagação merece acurada reflexão. As contradições ocorreram, mas não se mostram capazes de autorizar novas conclusões distintas das já anunciadas nestas páginas. Mentir sobre o envelope e sobre a lista não mudará a necessidade da demonstração da ocorrência dos verbos caracterizadores da captação ilícita de votos.
A resposta da sétima questão: não. Todas as testemunhas passaram pelo crivo rigoroso do contraditório, com possibilidade ampla de perguntas por parte dos advogados constituídos pelas partes para defender seus interesses em juízo.
A prova convincente do fato é fator decisivo para a aplicação da sanção, devendo ser incontroversa (Djalma Pinto, em Direito Eleitoral, São Paulo, Atlas, 2003).
Considerações sobre o abuso do poder econômico
Sobre o alegado abuso do poder econômico, toca destacar o que dispõe a Constituição Federal de 1988, especialmente o art. 14, § 9º: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta."
A regulamentação da norma constitucional citada foi feita no art. 19 da Lei Complementar n. 64/90: “As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais. Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
É fácil verificar, pelas redações do art. 14, § 9º da CF/88 e art. 19 da LC n. 64/90, que não há determinação de que o resultado da eleição seja direto do abuso do poder econômico a beneficiar um dos candidatos, com ênfase para a necessidade da demonstração do nexo casual. Isto foi construção da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
Mas houve mudança no T.S.E., conforme decisão proferida no julgamento do processo n. 758, em 12 de agosto de 2004: “... segundo a jurisprudência desta Corte, alterada desde o julgamento do REspe nº 19.571/AC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16.8.2002, na ação de investigação judicial eleitoral, deixou de se exigir que fosse demonstrado o nexo de causalidade entre o abuso praticado e o resultado do pleito, bastando para a procedência da ação a indispensável demonstração - posto que indiciária - da provável influência do ilícito no resultado eleitoral ...".
Assim, prevalece hoje o entendimento abaixo:
“RECURSO ORDINÁRIO. Eleição 2002. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATO. SENADOR. AUBO DO PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. IRREGULARIDADE.UTILIZAÇÃO. RÁDIO. DIVULGAÇÃO. ENTREVISTA. PESQUISA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE POTENCIALIDADE.INFLUÊNCIA.ELEIÇÃO.NEGA DO PROVIMENTO.
I - Para a configuração do ilícito previsto no art. 22 da LC no 64/90, é necessário aferir se o fato tem potencialidade ou probabilidade de influir no equilíbrio da disputa, independentemente da vitória eleitoral do autor ou do beneficiário da conduta lesiva (...).” (TSE - Acórdão n. 781 - Porto Velho - RO – Rel. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – DJU - 24/09/2004, Pág. 163).
Ou seja, o TSE passou a deixar de exigir que fosse demonstrado o nexo causal entre o abuso praticado e o resultado do pleito na ação de investigação judicial eleitoral.
Dito isto, não se pode negar que o TSE procurou avançar nos mecanismos de punição dos abusos nas eleições, mas, de outro lado, acentuou o grau de incerteza e imprecisão nos termos usados. Digo que é difícil alcançar objetivamente o sentido de frases como “potencialidade ou probabilidade de influir no equilíbrio da disputa” ou “provável influência do ilícito no resultado eleitoral”, ou até mesmo “capacidade ou potencial para influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o resultado do pleito”, todos eles usados pelo Tribunal Superior em seus arestos.
É preciso extraordinária sensibilidade do julgado – uma acuradíssima percepção – em vislumbrar a proporcionalidade entre os fatos ocorridos e a influência que eles podem exercer sobre a eleição. Tenho como certo que a mais alta probabilidade ainda não é suficientemente capaz de dar uma certeza absolutamente convincente, deixando que o império da subjetividade prevaleça.
Os autos em estudo revelam, como fora dito de forma exaustiva, que não restaram provadas as ações que requerem a constatação da alegada compra de votos. Há dúvidas fundamentais instaladas que não podem ser presumidas em favor de quem acusa e não prova.
Tanto como juiz quanto como cidadão, devo lamentar a falta de provas para ensejar a configuração da captação ilegal de votos. Em eleições municipais – e nesta não foi diferente, sempre tomam as ruas os comentários de que há compra de votos, mas o direito é exigente com quem dele se utiliza quando necessita provar algo a demonstrar em convicção.
Assim, descabe o acolhimento da tese da ocorrência do abuso do poder econômico.
Conclusão final
O julgador, analisando o contexto probatório, dentro do princípio do livre convencimento puxado do processo civil, pode e deve valer-se de indícios e presunções, pois estes possuem força probante igual a qualquer outro meio de prova, desde que veementes. O uso dos indícios deve ser feito por força do art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90.
Quem decide também deve examinar documentos e depoimentos, deles extraindo o que pode ser concatenado para formar seu convencimento.
O indício sempre é analisado dentro de um conjunto de elementos de convicção. Nem o indício nem qualquer outra prova isolada pode levar segurança inconteste à decisão judicial. É por esta razão que não é aconselhável a análise fragmentada dos elementos de provas coligidos no processo.
Se é certo que não existe qualquer hierarquia entre as provas e se o legislador elegeu o indício como meio de prova, deve ele ser reconhecido em favor do mesmo idêntico valor atribuído aos demais, desde que em firme união em convergência para um mesmo objetivo factual.
Por fim, os elementos de prova destes autos não levam a crer que ocorreu doação, oferta, promessa ou entrega de bens, pois ninguém confirmou ditas ações, nem houve confirmação por outro modo legítimo a configurar a ação enquadrada como infração eleitoral a ensejar a incidência das reprimendas do art. 41-A.
Também não há como concluir que houve intenção de distribuir bens com o fim de obter voto. Isto até poderia ser presumido, com reserva ao caso prático verificado, se alguém tivesse confirmado o recebimento de algo em período pré-eleitoral e com a intenção de votar em troca do que recebeu.
Também não há provas conclusivas de que os fatos ocorridos permitem a ilação que aponta a prévia ciência dos representados anuindo às condutas imputadas como ilícitas. Não há presunção por não ter como deduzir que os representados sabiam ou tinham ciência que Sandra e Ana Paula tinham o firme propósito de comprar votos para beneficiá-los.
A prova documental é fraca por ser desconexa. A prova testemunhal não contribui para formar convencimento em prol da representação.
Não obstante a douta decisão proferida pelo eminente juiz então em exercício, o presente processo sucumbe à insuficiência e a precariedade dos elementos probatórios produzidos, não se revelando aptos a convencer da participação dos representados, ainda que indireta, ou de algum tipo de responsabilidade deles na prática do ilícito eleitoral a que alude o art. 41-A da Lei n. 9.504/97. É este um caso em que se exige o nexo causal entre o fato e o resultado, mesmo sendo em forma de anuência implícita.
A verificação de indícios não interligados se parece com uma corrente de elos abertos: eles existem induvidosamente fortes, mas sua abertura os torna fracos por não conseguirem dar força à corrente, tornando esta também irremediavelmente vulnerável.
Do exposto, peço vênia e decido por reformar a sentença de fls. 565/578 na parte que julgou procedente, alterando-a para que os pedidos da representação sejam julgados improcedentes na sua totalidade. Decido ainda por negar provimento ao recurso do candidato Idemar Loiola Citó.
Decido impondo-me o dever de que não posso me furtar a atuar com convicção.
Aguarde-se o prazo de três dias para os fins do art. 267, § 7º, do Código Eleitoral.
Diante da excessiva quantidade de folhas dos autos, determino a imediata abertura de um segundo volume, bom para facilitar o manuseio.
Publique-se. Registre-se.
Intimem-se os advogados.
Tauá, 6 de janeiro de 2005.