A Constituição Federal, através da norma contida no caput do seu art. 142, prescreve que as Forças Armadas são instituições nacionais com a função precípua de exercer a defesa da Pátria, de garantir os Poderes Constituídos e, por iniciativa de qualquer destes, de assegurar a lei e a ordem.
O cumprimento de tal missão constitucional, contudo, sujeita-se à disciplina estabelecida pela Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
Já no que concerne ao desempenho de tais atividades, especificamente no âmbito da Justiça Eleitoral, tem-se matéria expressamente regida pelos arts. 23, inciso XIV, e 30, inciso XII, da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, no incontestável propósito de atribuir às Forças Armadas, quando requisitadas, a adoção das medidas capazes de obstar possíveis tensões e conflitos que fujam ao controle da segurança pública local, de modo a garantir, com a manutenção da ordem e do respeito à lei, a coleta dos votos, a apuração dos resultados e a proclamação dos candidatos eleitos.
Assim dispõem os citados dispositivos do Código Eleitoral:
Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:
(...)
XIV – requisitar força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração.;
Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:
(...)
XII – requisitar a força necessária ao cumprimento de suas decisões e solicitar ao Tribunal Superior a requisição de força federal.;
Diante, pois, de tal disciplina, pode-se desde logo concluir:
a) que se reserva ao Tribunal Superior Eleitoral a competência privativa para requisitar força federal.;
b) que a requisição será espontânea, isto é, por iniciativa do próprio Tribunal Superior Eleitoral, quando se tratar de medida que entenda indispensável à garantia do cumprimento das leis, de suas próprias decisões e da regularidade dos processos de votação e de apuração.;
c) que a requisição será condicionada, quando ensejada por iniciativa motivada de Tribunal Regional Eleitoral, para a garantia do cumprimento de suas decisões ou, também, para a manutenção da observância das leis e da normalidade do processo eleitoral.
Dessa forma, não há como falar em requisição de força federal por provocação direta de partidos políticos, de coligações ou de candidatos, muito embora nada obste que ajam os Tribunais Regionais Eleitorais em face de provocações promovidas pelos Juizes Eleitorais, mesmo porque sendo a estes que incumbe a condução localizada do processo eleitoral, são eles que melhor possuem condições de avaliar as realidades pontuais que lhes caberá enfrentar.
Relevante recordar, por outro lado, que a Resolução nº 21.843, de 22 de junho de 2004, expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, demonstra instruções para a requisição de Força Federal, instrumento normativo este que, de forma esclarecedora, não apenas aponta os fins a que se destina tal utilização das tropas federais, como também define as pré-condições fáticas concretamente justificadoras da medida.
Quando houver garantia da manutenção da ordem pela polícia local, é evidente que não se fará requisição de tropa federal, o que remete o recurso à intervenção das Forças Armadas, por conseguinte, a medida de caráter manifestamente excepcional e de adoção contida, devendo restringir-se às localidades em que efetivamente ocorrer imperiosa necessidade.
Daí, também, porque a proposição formulada pelos Tribunais Regionais Eleitorais, em qualquer hipótese, deverá ser circunstanciadamente fundamentada, com relação a cada localidade onde se pretenda a utilização das forças federais, expondo-se, exemplificativamente, como motivos determinantes e justificadores da iniciativa:
a) a demonstrada impossibilidade de manutenção da ordem e do livre exercício da cidadania, com o estrito emprego das forças locais de segurança pública.;
b) o justo receito de possíveis interferências que prejudique a livre manifestação da vontade do eleitor, em face de ilegítimas condutas de aliciamento do voto.;
c) a imprescindibilidade de providências preventivas e inibidoras de atos ilegais ou mesmo de fatos que possam comprometer os trabalhos eleitorais.;
d) a existência de veementes indícios que apontem para a probabilidade de conflitos entre facções políticas locais, em especial durante o período de culminância do processo eleitoral.
Como se vê, portanto, os motivos da providência haverão de realmente dizer com circunstâncias efetivas de eventual comprometimento do processo eleitoral, do livre exercício da cidadania e da tranqüilidade social. Cenário fático, assim, que verdadeiramente denuncie a fragilidade da ordem e da segurança, de modo que não é satisfatória a mera alegação de insuficiência do efetivo disponível dos órgãos ostensivos e locais de segurança, tanto mais quando inexiste qualquer evidência de que não possa ser reforçado.
Ademais, também não basta a alegação de apreensão quanto ao comportamento de determinados integrantes da Polícia Militar no dia do pleito, sendo imprescindível a contribuição de outros elementos que justifiquem a justa preocupação revelada, segundo se dá com a falta comprovada de isenção política, por exemplo, que venha a contribuir para a proliferação de tumultos e desordens.
O pedido, por outro lado, deverá relatar os fatos que justifiquem receio de perturbação dos trabalhos eleitorais. As tensões políticas marcadas por ameaças de incêndios em prédios públicos, lutas corporais, tentativas de boca de urna e compra de votos são fatos que consolidam a solicitação perante o Tribunal Superior Eleitoral.
As circunstâncias que recomendam a requisição das Forças Armadas, enfim, deverão estar vinculadas a fatos que, notórios, sejam verdadeiramente reveladores de instabilidade social atual ou iminente e, ainda, de ações que, a par do afastamento dos princípios éticos prevalentes, façam-se comprometedoras da ordem pública, especialmente quando descambem para climas ostensivos entre facções político-partidárias antagônicas, que em alguns casos até resvalam para atos de flagrante violência, inclusive agressões físicas e mesmo homicídios.
Em todo caso, é pertinente que a autoridade judiciária atue intensamente, sem a mínima dúvida, ao impulso de históricos e freqüentes conflitos entre eleitores, entre candidatos e entre uns e outros, em localidades determinadas, onde se façam comuns intensas e explosivas tensões políticas. Mesmo porque o fim objetivado, quando da requisição de forças federais, é sempre aquele de prevenir eventuais exaltações de ânimos e quadros de beligerância que inviabilizem a normalidade do processo eleitoral.
Só no caso, desse modo, em que demonstrada, de forma segura e motivada, a caracterização de circunstâncias efetivamente justificadoras da medida excepcional, é que o Tribunal Superior Eleitoral decidirá pela requisição. O Tribunal Regional, a seu tempo, na hipótese de aprovação do emprego das tropas federais, promoverá as conseqüentes e necessárias gestões junto ao Comando competente das Forças Armadas, de forma a que se viabilizem o planejamento e a mobilização do efetivo que se faça caso a caso necessário.
Por tudo isso, fica evidente que a requisição de força federal haverá de exclusivamente ocorrer em caráter excepcional, quando ficar patente que a polícia local indispõe de meios reais para garantir a ordem nos trabalhos eleitorais, haja vista que é dever da Justiça Eleitoral promover os meios necessários à garantia da normalidade das eleições, com resultados livres de quaisquer vícios e que, de fato, fielmente revelem a vontade popular.
E em sendo assim, não resta dúvida de que a requisição de força federal haverá de ocorrer sempre como providência de índole cautelar, necessária e adequada à promoção do resguardo da ordem pública, da normalidade do processo eleitoral, da tranqüilidade social e da preservação do Estado Democrático de Direito.