MARIA LÚCIA DE CASTRO TEIXEIRA
Presidente da Associação dos Procuradores
do Estado do Ceará
Publicado no jornal Diário do Nordeste, dia 14 de dezembro de 2004
Dia desses o ministro Edson Vidigal, presidente do STJ, logo após a votação da PEC da reforma do Judiciário, disse que a adoção da súmula vinculante era uma grande vitória porque os investidores precisariam de segurança para seus investimentos. A afirmativa, além de causar espanto impõe graves reflexões: a adoção da súmula vinculante importará, sem nenhuma dúvida, em absurda quebra do princípio democrático que a tão duras penas se conseguiu inserir na Constituição do País, após longos anos de tirania a que não se pretende voltar.
Realmente, não é difícil perceber o conteúdo do cavalo de tróia: o artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” e, em assim sendo, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente”.
Isto significa dizer que o povo elabora as leis e a elas se submete, nada se lhe podendo exigir senão em virtude delas, encontrando-se o seu espaço de liberdade exatamente na ausência de proibição. Eis, sem adornos nem artifícios, a essência do princípio democrático.
Adotada que seja a tal súmula, por ela atribuir-se-á ao Supremo Tribunal Federal o poder de interpretar a lei, de modo a submeter e vincular não apenas aquele Tribunal, mas também os juízes em geral, a Administração e de forma mediata toda a sociedade, ou seja, o STF desempenhará não apenas o papel do legislador, mas também do próprio constituinte permanente e então haveremos de obedecer não mais à lei, mas à interpretação que a ela der o STF, cujos membros não foram eleitos pelo povo e são completamente alheios aos seus valores concretos.
O canto da sereia do processo rápido, portanto, deve ser ouvido com muito cuidado, pois a lei, por pior que seja, e o processo, ainda que tardio, garantem que a Constituição não se transforme em propriedade daqueles que deveriam guardar precisamente o seu caráter público, ou, nas palavras de Menelick de Carvalho Neto, que ela opere como regência de uma associação de homens livres e iguais, que vivem sob a égide das leis que fizeram para si próprios.
A súmula vinculante, ao lado de quebrar o princípio democrático, aprofunda o fosso que separa o povo do Judiciário e enfraquece a independência do juiz, constituindo-se, assim, em uma violação ao direito fundamental das pessoas, garantido pela Constituição em seu artigo 5º, LIII, a verem seus conflitos de interesses julgados por juiz independente e imparcial e, sob o aspecto político, impede o surgimento de idéias divergentes dos postulados econômicos e políticos que sustentam.
Tem razão o ministro, o capital não se compatibiliza com o pluralismo de idéias.; ao investidor não interessa 12 mil juizes pensantes e independentes - mais fácil controlar 11 - o capital precisa de segurança para se expandir, para se reproduzir. Em melhores palavras, a súmula vinculante só interessa ao capital, trata-se de uma solução tipicamente de mercado, para agradar o mercado, como tantas outras.