Se eu quisesse parecer um intelectual, por certo já teria pesquisado antes de começar escrever, quem são os autores das façanhas. Não há nada melhor que uma dúzia de citações, para dar um bom crédito ao escritor. Mas como não pretendo passar por um ou outro, digo que não me lembro, por exemplo, o nome do inventor da guilhotina. Só sei que ele perdeu a cabeça por causa justamente do seu invento. Melhor, ele perdeu a cabeça, no exato momento em que teve a idéia da máquina.
Para mim, são loucos todos os inventores de engenhos como esses. Não suporto pensar que haja ainda no mundo, quem tenha idéias para torturar ou matar barbaramente, ainda que os faltosos tenham cometido crimes igualmente bárbaros. Aquele austríaco (lembro o nome, mas omito de propósito), que teve a idéia de assassinar milhões de judeus, não foi o último infelizmente. Ainda nesses dias, fiquei sabendo de torturas que embrulham meu estômago de nojo e revolta. Não é difícil ver a polícia apresentando presos mutilados de apanhar de cacete, depois de entregues e dominados. É ainda comum ver policiais chutando as costelas de indefesos torcedores caídos num tumulto...
Há poucos dias fiquei sabendo de uma pessoa que foi condenada à morte por esfolamento em um país que também eu não quis pesquisar o nome. Já pensaram se o inventor da idéia soubesse que ele próprio, ou um seu parente sofreria pena semelhante? Por certo faria tudo para apagar a idéia da sua invenção, da cabeça dos seus semelhantes, que são iguais justamente por aceitarem a idéia.
Ainda existem lugares no mundo, onde se mutila, decepa, marca a ferro quente, quebra osso por esmagamento... E não estou falando do ditador deposto há poucos dias. Estou falando é mesmo dos que apontaram os dedos sujos de sangue para ele.
Mas o que eu queria dizer mesmo, é o seguinte: Como é que as pessoas que vivem em países como esses, podem pensar que haja justiça em executar uma pessoa com tão inominável barbarismo? Qual o lucro que a sociedade tem em saber que uma autoridade em um outro país bárbaro, coloca um condenado para cozinhar os pés em um caldeirão de água fervente? Como pode haver justiça num outro, que usa uma broca de dentista para arrancar confissões de presos? Como se pode confiar em governantes que aplicam tão animalesco castigo?
O que vejo é que o ser humano condena o crime, para aplicar um crime igual ou maior, protegido pelo lastro da lei que ele mesmo criou. E dizemos que somos civilizados. Assistimos a tudo passivos, e não levantamos nem mesmo uma palavra, porque estamos tão acostumados à maldade, que nos tornamos insensíveis. Que se esfolem os outros, se estamos protegidos pelas mesmas leis, é a máxima não pronunciada.
Civilizado? Programas de televisão, que não são poucos, instigam as "autoridades" à tortura. Depois, promove essas, à status de artistas!... É a loucura que as pessoas acostumaram ver todos os dias na maior naturalidade, enquanto tomam seus lanches sentados confortavelmente no sofá. Essas cenas já não causam nenhum nojo em quem por certo acha natural, porque tem o mesmo barbarismo nos corações. As palavras de que bandido precisa apanhar, são tão naturais e dão tanta audiência, que ninguém se levanta contra.
Um instante depois desses programas que incentivam a maldade, ps mesmos espectadores insensíveis, se assentam novamente diante do mesmo aparelho, e se emocionam com a cena da novela, que a mocinha é ameaçada de perder o namorado. São frios diante da realidade, mas se emocionam com a ficção.
É por isso que o Zéca Tira* diz que "es mundo tá memo nos pocalice".
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Adelmario Sampaio
*[Zéca Tira, é um personagem das estória dos autor da sério “Que Prosa É Essa”]