Antônio Marques Cavalcante Filho é presidente do Tribunal Regional do Trabalho - 7ª Região
Publicado no Diário do Nordeste, em 11 de outubro de 2004.
Virada a página das eleições municipais, apresta-se agora o Senado Federal para ultimar, dentre outras, a votação da tão esperada Reforma do Judiciário, há doze anos no prelo congressual. Lastimo, no entanto, que, apesar de sua elástica tramitação, se haja perdida a oportunidade, aliás, desperdiçada mais uma vez, de se dotar o Poder Judiciário da estrutura e dos meios necessários ao desenvolto exercício de sua função institucional, livrando-o, definitivamente, dos grilhões arcaicos do passado, pela modernização da sistemática distributiva da justiça e, nesse desiderato, imprescindível seria prover os órgãos destinados a esta sublime missão estatal com a eficácia assecuratória de sua independência e garantias funcionais.
Todavia, na contramão disso, perdeu-se a Reforma do Judiciário em sustentando propostas que outros não surtirão, senão os indesejáveis efeitos de proscrever o livre convencimento do juiz e de lhe restringir a independência funcional. São elas a sugestiva da vinculação das instâncias inferiores às decisões sumuladas do Supremo Tribunal Federal e a que preconiza a instituição de um sistema de controle externo.
Quanto à primeira, de se esperar, somente, o engessamento jurisprudencial, obstada que, por tal, resultará a liberdade evolutiva do direito, com o desestímulo ao pensamento criativo de teses inovadoras, até aqui, tradicionalmente, assegurada a todas as instâncias judiciárias, mas a tornar-se função privativa do STF. Ora, convenhamos, na vigência das atuais regras processuais, é possível exsurgir da consciência jurídica de juiz talentoso, estudioso e culto, mas isolado no mais longínquo rincão deste País, tese sentencial fundada em novel e admirável concepção interpretativa de direito, que, servindo de paradigma a magistrados congêneres, constituísse corrente jurisprudencial passível de adoção pelas instâncias superiores e, quiçá, pelo STF. Por que não? É, exatamente, assim que se processa a evolução salutar da jurisprudência.
Todavia, de tal hipótese não se há mais cogitar, tão logo promulgada a Reforma. Ao juiz cumprirá, apenas, a simples aplicação ao caso concreto da fórmula decisória sintetizada no verbete que se lhe adequar. Meu temor é que se deflagre, ante a conseqüente estagnação do raciocínio jurídico e o desinteresse pelo aperfeiçoamento profissional, a gradativa fossilização intelectual da judicatura de primeiro e segundo graus.
Quanto ao controle externo, diga-se não haver Justiça em um regime de inibição jurisdicional, onde a atividade judicante se desenvolva em clima de monitoração permanente e direta, máxime por organismos estranhos à Magistratura. O exercício da jurisdição deve vazar-se pelo livre convencimento do juiz, sem pressões de qualquer ordem, senão a da soberana vontade da lei. De um Judiciário subjugado, não emerge a Justiça, nem há tranqüilidade social sem segurança jurídica, e o direito é pífio, senão exaltado na impostação austera de um Judiciário forte, independente e desassombrado.
Desalentador é constatar-se, portanto, que a Reforma do Judiciário, buscando soluções abstratas, sequer tangenciara as verdadeiras causas da inegável crise por que passa a Justiça de nosso País e que, assim, continuará, induvidosamente, a merecer a profunda reflexão de todos, na esperança patriótica de um dia se encontrarem, definitivamente, os caminhos conducentes à sua solução.