O estado do Ceará e seus 184 municípios não vêm pagando precatórios há, pelo menos, dez anos.; só no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região há 9.540 precatórios aguardando liquidação
Antonio Marques Cavalcante Filho é presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 7ª Região
Publicado em 11 de setembro de 2004
Indigna, sobre estarrecer, a conduta impune, rotineira e quase generalizada na administração pública, de relegar-se a ordem jurídica nacional, a partir da violação de princípios e disposições fundamentais de nossa Carta Política, sem pejo de lesar direitos e garantias individuais, cuja reparação pelo Judiciário vem sendo, por outro lado, lamentavelmente postergada, haja vista a renitência das entidades de direito público em cumprir as decisões que lhe são condenatórias e a ausência de meios processuais efetivamente coercitivos de tal.
Fala-se, com acerto, na lentidão da Justiça. Mas, pasmem, dela também se queixa o governo, a ponto de publicar um Raio-X do Judiciário , onde se vêem consubstanciadas informações falaciosas, já, agora, desmascaradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, da mais perfunctória análise a que se proceda sobre tão inquietante questão, extrai-se, necessariamente, a dedução de lhe constituir primacial causa a pletora de ações judiciais tramitantes contra a Fazenda Pública, especialmente em fase precatorial.
Pior é que, escudadas na impenhorabilidade de seus bens, as entidades de direito público, ressalvada a União Federal, fazem tabula rasa da obrigatoriedade emergente do artigo 100 da Constituição da República, sendo que, no Ceará, o Estado e seus 184 municípios não vêm pagando precatórios há, pelo menos, dez anos. Só no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região há 9.540 precatórios aguardando a boa vontade dos entes executados de procederem à respectiva liquidação. Que fazer? O seqüestro do importe correspondente nem sempre é cabível. Já o pedido de intervenção e a instauração de processo por crime de responsabilidade não têm efetividade prática.
De inegável gravidade, o problema sugere a reflexão de todos e reclama do próprio Judiciário uma postura enérgica, com vistas ao imediato restabelecimento de sua autoridade, dignidade e respeito, a fim de conservar-se merecedor da credibilidade pública.
Urge, porém olvidada na reforma do Judiciário, a criação de mecanismos processuais à disposição da Justiça, com eficácia inarredável de compelir o Poder Público ao cumprimento de ordens judiciais, como seria, por exemplo, o afastamento automático do gestor inadimplente, a flexibilização das possibilidades de seqüestro, etc.
Aliás, a necessidade urgente é de se retomar, não só o respeito às decisões judiciais, pelas entidades públicas, mas, também, às leis e à Constituição, em especial aos direitos adquiridos, postura que seria exemplar e reduziria, consideravelmente, a carga processual que hoje jaz empilhada sobre estantes e escrivaninhas dos órgãos do Poder Judiciário, obliterando a consecução de seus anseios de superar suas deficiências e melhor atender aos demais jurisdicionados, quem sabe com a celeridade que ora tanto se reclama.