JOSÉ ANTÔNIO COITINHO
Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Pelotas
Jornal Zero Hora - Porto Alegre - RS
Exibindo conteúdo de 19 de junho de 2003. Edição nº 13816
Quero falar da imoralidade, da indecência. Quero falar do que tem planejado o desrespeitoso "homem da caixa-preta". Não busco meias palavras porque já é passado o tempo. Não nos é mais facultado combater a ignorância com a gentileza. A mediocridade tem, de uma vez por todas, de dar lugar ao bom senso. Vou direto ao assunto. Retirar as garantias e prerrogativas dos magistrados - não privilégios - enfraquecendo o poder e criando "subjuízes" não é o começo de nada, mas o início do fim da democracia. É preciso dizer: juiz não tem privilégios. Foram criadas garantias e prerrogativas, ao longo dos séculos, na medida em que foi sendo exercido o penoso sacerdócio de ser juiz. Ao longo da História e ao redor do planeta, percebeu-se que o juiz, para ser eqüidistante das partes, para ser justo, honesto, conhecedor do Direito, imparcial, deveria ser resguardado, deveria ser protegido pela lei. As prerrogativas da função permitem que o magistrado desempenhe sua atividade isento de pressões, livre da influência do capital, da política, dos preconceitos de cor, de religião, de raça, do que quer que seja. Despir o julgador de suas prerrogativas é jogá-lo na vala comum. É torná-lo influenciável pelo dinheiro, pelo poder político, pelo tráfico de influências, por preconceitos. Se o juiz goza de prerrogativas, por outro lado é brindado com uma infinidade de deveres que não são impostos ao cidadão. O juiz abre mão da sua liberdade em favor do jurisdicionado, em favor do povo. Esta perda representa um preço alto, mas pago pelos juízes com muito orgulho. Todos queremos um magistrado de coragem. Coragem para dar sua vida pela profissão, como há poucos dias, em duas oportunidades, perplexos observamos e estarrecidos choramos a morte de dois juízes brasileiros, vítimas do crime organizado.
Nenhum juiz teme a reforma.
Mas que seja para
melhorar e não destruir
Nenhum juiz teme a reforma. Mas que seja para melhorar e não destruir. A prestação jurisdicional é morosa? Pois que haja mais juízes, mais funcionários. Que sejam reformados os foros, informatizados, treinados os servidores. Não é inteligível que a reforma - que deveria buscar melhorias - somente cogite de mudanças para enfraquecer o Poder Judiciário. Onde está a lógica? São planos dotados da mais absoluta falta de inteligência. Novamente, o que não se diz, é que do ano de 1988 para o presente, os processos judiciais aumentaram 24,3 vezes, enquanto o número de juízes somente dobrou. Temos, pois, 10 vezes mais processos por magistrado do que havia há 10 anos. Temos menos juízes por habitante que a "falida" Argentina. Se na Alemanha existe um juiz para cada 3,5 mil habitantes, no Brasil somos um juiz para cada 23 mil habitantes.
O "homem da caixa-preta" nos conta uma história triste. Realmente triste. Refere que esteve preso, e foi esquecido, no fundo de uma cela. Afirma que a culpa foi de um Judiciário elitista. Contudo, não percebe ter sido vítima do Executivo do tempo da ditadura militar. O Executivo subjugava e oprimia o Judiciário. Pois este mesmo senhor, que no passado foi sua vítima, pretende trazer de volta um Poder Executivo que impere sobre os demais. Em razão de os tempos serem outros, hoje o cidadão, ante um Judiciário enfraquecido, não vai ser somente vítima do Executivo, mas de todo um mundo do crime organizado, que reina absoluto no Brasil. Quem já foi vítima de um Executivo ditador agora quer encarnar a pessoa do ditador. Se ainda não percebeu, alguém deve lhe dizer: não está legitimado a pôr um fim à democracia, criando um poder que prepondere sobre os demais. Na sua campanha não prometeu uma revolução, nem o fim da democracia, porque se assim fosse não teria sido eleito. Jamais poderemos nos olvidar do fato de que o Estado é quem litiga no maior número de processos. Enfraquecer a "Justiça" e torná-la suscetível a pressões políticas seria conveniente para os governos que fossem descomprometidos com a moral, com a honestidade. Manobrar o Judiciário traria os maiores benefícios para os cofres públicos. Pena que, em contrapartida, o lesado seria o povo brasileiro.