Artigo publicado no jornal Zero Hora (Porto Alegre)de 27/07/2004, página 15
RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR
Ministro aposentado do STJ
A reforma agora aprovada no Senado Federal evidencia como é possível deixar pior o nosso Judiciário.
Uma das primeiras críticas feitas ao sistema é a da impunidade de todos os que exercem algum tipo de poder dentro do Estado. No Brasil, respeita-se o princípio de que o forte não pode responder a processo penal como qualquer pessoa: deve ter foro privilegiado, somente pode ser julgado pelos tribunais e com processo especial. Como os tribunais não dispõem de meios para exercer essa jurisdição originária (processo que inicia no próprio tribunal), a regra é que tais processos se arrastem até a prescrição. Pois bem, em vez de reduzir esses casos, ou eliminá-los, uma das inovações da reforma é precisamente a de ampliar esse foro privilegiado, para garanti-lo aos políticos não apenas que estejam na função, mas mesmo depois de afastados. Quer dizer, garante-se mais impunidade em favor principalmente desses que votaram a reforma. E pior: estende-se o foro privilegiado paras as ações de improbidade administrativa e para as ações populares contra atos causadores de prejuízo à Fazenda Pública.
Nada mais pernicioso ao julgamento judicial do que a interferência política. No país em que se está instituindo a prática de o governante ir ao tribunal dizer como deve ser defendido o interesse público posto na causa em julgamento - alguém duvida de que os políticos que integrarão o Conselho da Justiça deixarão de atuar politicamente para influenciar julgamentos? Tive eu boa experiência nesse assunto, ainda no STJ: na semana em que instalada a comissão de inquérito do Judiciário, quando todos estavam postos sob suspeita, recebi um telefonema do gabinete do senador que presidia essa comissão com a informação de que o senador tinha interesse no julgamento de certo agravo e esperava que fosse provido. Essa, certamente, será uma prática rotineira desde o dia em que políticos poderão controlar os juízes, sem distinção entre o que é administração e o que é jurisdição.
Para diminuir o número de recursos inúteis, apenas a previsão das súmulas. Mas esse será um instrumento que virá depois de muitos anos de demorado processamento e de infindáveis recursos, sem maior repercussão na vida imediata do foro. E sob a alegação de que o indispensável é modificar a legislação processual, a reforma aprovada deixa de introduzir no texto constitucional as alterações necessárias para que a futura mudança seja realmente substancial, como a do processo de execução.
Para desmontar mais ainda, falta apenas destruir a instituição do Ministério Público, conforme está na ordem do dia.