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Textos_Juridicos-->Controle Externo pelo Lado de Dentro, de Saulo Ramos -- 27/05/2004 - 11:39 (Michel Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Renault e Reynaud, Controle Externo pelo Lado de Dentro



SAULO RAMOS é advogado, jornalista e ex-Ministro da Justiça.




Muito pouca gente sabe como surgiu, no Brasil, a idéia do controle externo do Judiciário. Eu sei. E vou contar.




O Deputado Fernando Gabeira, ao desligar-se do PT, partido do governo, declarou que sonhara o sonho errado. O ministro da Justiça, dr. Márcio Thomaz Bastos, ao prestigiar a inspeção da ONU no Judiciário brasileiro, proposta pela doutora Asma Jahangir, justificou-se dizendo que “não temos o Judiciário de nossos sonhos”. Está, portanto, na hora de alguém tocar trombetas dentro das paredes do governo para essa gente acordar! Não se pode culpar os sonhos pela realidade que eles próprios não enfrentam.


Tão logo o ministro da Justiça prestigiou a teratologia da doutora Asma, um de seus mais importantes auxiliares, o Secretário Nacional da Segurança Pública, Dr. Luiz Eduardo Soares, apoiou o chefe e, em declarações à imprensa, afirmou que o Judiciário é culpado pela impunidade dos crimes cometidos pela polícia, sem admitir que as organizações policiais estão sob a administração dos poderes executivos. Acabou defenestrado uma semana depois, não pela agressão ao Poder Judiciário, mas porque havia contratado suas duas mulheres, isto é, a ex-esposa e a atual, para ganharem umas verbinhas da Secretaria do Ministério da Justiça, trabalhando para sua segurança privada com dinheiro da Segurança Pública.


Há, porém, no Ministério da Justiça, uma conspiração mais perigosa, urdida pelo advogado Sérgio Renault, secretário da Reforma Judiciária, que deseja realizar os sonhos do ministro, cujo carro-chefe é o controle externo do Poder Judiciário. Seria uma leviandade criticar a proposta de reforma. Mas o controle externo já foi anunciado, inclusive com o apoio do chefe da Casa Civil, Ministro José Dirceu, que, como era de se esperar, veio com o velho argumento de que em outros países existe tal controle. Na hora de mencionar um exemplo, cita a França e fica nisso.


Muito pouca gente sabe como surgiu, no Brasil, a idéia do controle externo. Eu sei. E vou contar.


Um advogado irritou-se com a lentidão do andamento de suas poucas causas perante determinado juiz federal de São Paulo. Dias depois, ficou furioso porque uma de suas jovens estagiárias foi maltratada pelo mesmo juiz. Corria o ano de 1990. O Plano Collor inundava o Judiciário federal de ações e mais ações. Dez mil processos, por dia, para cada magistrado. Mas o nobre colega queria saber das “suas" causas e da “sua” estagiária. Movido por essa fúria, descobriu, no “sebo”, velhos livros franceses com a receita do remédio: o controle externo do Judiciário.


Sem muito esforço, traduziu a teoria para o brasileiro, fez proselitismo sobre ela na Ordem dos Advogados e, depois, em alguns partidos políticos. Em seguida, difundiu-a entre intelectuais, temperando-a com a cantilena “precisamos deselitizar a magistratura”. Assim nasceu a moda. Todos os males do Poder Judiciário – que são muitos – serão sanados pelo controle externo. Até mesmo determinados juízes, revoltados com a impunidade de alguns colegas preguiçosos, aderiram ao mágico remédio, aviado por um causídico frustrado com a Justiça Federal.


Mas ninguém parou para pensar na inteira, total e gritante incompatibilidade entre os males que querem curar e o tratamento que pretendem ministrar. Desejam vestir camisa-de-força em quem sofre de anemia, em vez de dar-lhe alimentação adequada, a começar pelo fígado de boi.


O exemplo francês é imprestável. Naquele país, o Judiciário não é Poder. Segundo expressa disposição constitucional, o magistrado é considerado simplesmente autoridade sob a proteção do Presidente da República – art. 64. Em regime parlamentarista, Presidente da República é protetor que preste? Alguém pode conformar-se com a magistratura submetida a regime de protetorado? A solução é tão idiota que a velha pátria de Montesquieu (que também sonhou com a separação dos poderes) acabou tendo um dos piores judiciários do mundo civilizado. Há pouco tempo, estava com um Ibope de 78% de péssimo (Justice Sinistré, Démocratie en Danger, Hubert Haenel, 1991, p. 8).


Lá, o controle é exercido pelo Conselho Superior da Magistratura, composto de políticos, magistrados sentados (juízes), magistrados de pé (Ministério Público). O desastre não demorou.


Política e politicalha tomaram conta do processo de controle, apadrinhamentos, perseguições, bajulações, revoltas – tudo, menos eficiência. Então, quiseram acabar com o Conselho. Surgiu, porém, um cara inteligente, que era presidente do Comitê Consultivo Constitucional, um tal de Paul Reynaud (com y), que solenemente declarou: “Le Conseil doit etre mantenu, mais sa composition doit le metre à l’abri de toute passion politique ou corporative”. E alteraram a lei orgânica que trata do funcionamento do Conselho. Sabe o que fizeram? Para as questões relativas ao Judiciário, a começar pelas disciplinares, o órgão passa a ter composição especial: todos os políticos são afastados, somente participam os juízes togados, os “du siège”, sob a presidência do presidente da Corte de Cassação (que não pertence ao Conselho), e secretariados pela mesa desse Tribunal (artigos 9, 10 e 13, da Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura da França).


Por esse arranjo, o controle externo passou a ser interno. O Judiciário melhorou, mas “non troppo”. Infelizmente, para os franceses, o Ministério Público continuou submetido ao controle externo. O mal maior reside, porém, na teimosia do sistema parlamentarista de governo, que insiste na concentração dos poderes e na continuada obsessão de não considerar o Judiciário como um deles. Tanto que, em nosso culto país, os adeptos do controle externo são quase todos parlamentaristas. E quem controla os controladores? Ao povo caberá os custos dessa parafernália, além de ficar sem juízes independentes para defendê-lo.


No Brasil, o modelo é totalmente diverso. Adotamos o sistema presidencialista de governo, com o princípio da absoluta separação dos Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, importando a experiência norte-americana e as idéias de Montesquieu, rejeitadas por seus compatriotas. A maior e mais sólida razão para a autonomia e independência da Magistratura não está fundada na defesa dos juízes (alguns pernósticos e metidos a besta, nem mereceriam essa tutela institucional, sobretudo por maltratarem os estagiários...), mas nas garantias individuais do cidadão, que a sentença assegura contra o abuso de poder por parte do Estado e seus agentes. Se o juiz tiver que puxar saco dos agentes estatais, não terá coragem de decidir contra eles, ou contra o estatismo em que se encontram engajados. E conselho externo, por mais disfarçada que seja sua composição, torna-se agente do Estado, até por ter autoridade legal de julgar, processar, punir, proteger, remover, interferir na vida profissional dos magistrados. Entre estes, os pernósticos continuarão pernósticos, os metidos a bestas também, mas todos, inclusive a imensa maioria dos juízes competentes, perderão a independência e, com isso, o povo não mais terá garantida a defesa livre de seus direitos.


Ora, os defeitos atuais do Judiciário são principalmente: demora nas decisões, dificuldades de punir os juízes corruptos ou displicentes, custo elevado das demandas, sobretudo em grau de recurso para os tribunais superiores, nepotismo em alguns Estados, e a maior de todas as causas: uma legislação processual obsoleta e falta de modernização da infra-estrutura dos juízos e tribunais. Conselho nenhum resolverá tais problemas. Controle externo nenhum mudará essa situação.


Ao contrário: será mais um sorvedouro de verbas. A solução para essa anemia não é a camisa-de-força, mas a modernização dos instrumentos de trabalho da Justiça, em material e potencial humano, maior rigor no recrutamento via concursos, mediante remuneração adequada que atraia gente capaz, leis processuais ágeis e descomplicadas, reforma da lei orgânica (há doze anos no Congresso!), acabando com a possibilidade de empregos para parentes ou com a respectiva “permuta” em cargos de confiança, alteração dos dispositivos constitucionais que permitam punição por um órgão nacional da magistratura, fora dos tribunais respectivos para evitar o protecionismo regional e, assim, criar um sistema externo disciplinar, mas pelo próprio Poder Judiciário, e não um Conselho de Controle com a demagogia de participação da sociedade civil, que não tem CPF, RG, nem endereço certo, e que acabará representada pelo presidente da CUT, do MST e outros bichos que ultimamente estão doutrinando até direito constitucional. Dentre essas medidas, regras novas e mais rigorosas na atividade correcional do próprio Judiciário (por exemplo: passar o inciso X do art. 93 da Constituição para maioria simples), pois, cá entre nós, é o único Poder da República submetido ao diário e atento controle externo, não institucionalizado, mas eficiente e vigilante, porque exercido pelos advogados e pelos promotores, que não dão trégua aos juízes e teretetê reclamam para os tribunais. Esse é o controle que funciona. De Brasília? Nem pensar. Que conselheiro vai ver o que está fazendo o juiz de Ariquemes, ou de Cariri, ou dos confins do Amazonas, aonde se chega depois de vinte dias em viagem de barco? Tanto nesses longes, como em cada cidade, em cada capital, em cada comarca, em cada vara, a vigilância cabe aos advogados, na defesa de seus clientes, ou ao Ministério Público, na defesa da sociedade, posto que os promotores não são somente advogados dos índios, mas fiscais da lei.


Esse tal de controle externo do Judiciário de composição mista é um disfarçado meio de enfraquecer a instituição, com o evidente propósito político de acabar com a separação dos poderes (o que é proibido por uma das cláusulas pétreas da Constituição), ou o de arrumar empregos e em nada contribuir para sanar as atuais e verdadeiras deficiências do setor. E quem vai controlar os controladores? Ao povo caberá suportar os custos gigantescos dessa parafernália, além de arcar com o preço cruel de ficar sem juízes independentes para defendê-lo, em tudo igual à justiça militar da ditadura, quando o general telefonava ao coronel, o coronel telefonava ao major, transmitindo ordens sobre como deviam julgar este ou aquele réu nas auditorias do Ministério do Exército. Controle Externo é isto.

Mais irônico é que a idéia do dr. Renault brasileiro, para criar o controle externo, nasceu de um confronto entre um juiz pernóstico, um advogado irritado e uma estagiária fofoqueira. Na França, pelo menos, nasceu de um sistema, o parlamentarista, mas o dr. Reynaud francês consertou o monstrengo.






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