ONU pede fim da impunidade e reforma do Judiciário brasileiro
Publicado no jornal O POVO, dia 13 de fevereiro de 2004
Como já se esperava, o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos humanos foi bastante duro com o Brasil, denunciando as execuções sumárias e fazendo críticas à Polícia e ao Judiciário brasileiros. Não é para menos, a relatora especial para execuções sumárias, Asma Jahangir foi testemunha ocular, durante sua visita ao Brasil, da desfaçatez com que se mata neste país.
Os responsáveis pelos esquadrões da morte fizeram questão de afrontar a opinião pública internacional, executando duas testemunhas, logo após estas terem prestado depoimento à representante da ONU. O repto atingiu mais diretamente o Estado brasileiro por ser uma sinalização clara de que seus autores não temem ser alcançados. Outros preferem ver na ação dos criminosos, uma atitude de desespero. Seja como for, o fato é que pretenderam intimidar a Nação, passando a impressão de que podem tudo.
O mais grave de tudo é que pesa sobre a Polícia uma grande suspeita sobre a participação nesses crimes. O envolvimento de policiais na violência diária contra o cidadão, como se sabe, é uma rotina no noticiário brasileiro e é difícil passar uma semana sem o registro de algum caso escandaloso. O último foi a execução sumária de um cidadão negro, dentista, em São Paulo, por policiais militares, que além da crueldade praticada, ainda forjaram provas para inculpar a vítima.
Não é por outra razão que a enviada da ONU se declarou estupefata com a quantidade de informações sobre violações de direitos humanos perpetradas por forças de segurança, em particular a Polícia Militar . Ora, para corrigir essa distorção, este jornal tem feito finca-pé na defesa da extinção da PM e a criação de uma polícia única, encarregada do policiamento ostensivo e da função de polícia judiciária. Os encarregados da primeira função seriam fardados, os outros usariam trajes civis, mas a instituição como tal seria civil, pois essa é a natureza da Polícia num Estado Democrático de Direito.
A ONU, além de apontar as distorções na Polícia e pedir maior rigor no controle da atividade policial, detectou falhas clamorosas no aparelho judiciário brasileiro. Os tribunais devem ser inteiramente reformados com o objetivo de corrigir sua lentidão e de serem menos congestionados , declara o relatório, que defende a racionalização do processo penal brasileiro para acabar com a impunidade . O documento afirma que há sérias dúvidas sobre a independência do Judiciário , aconselhando reformas drásticas e, também, que um relator especial da ONU encarregado de estudar a independência de juízes e advogados venha ao País.
As deficiências da Justiça brasileira são notórias: ela é lenta, cara, emperrada e de difícil acesso. A maior parte da lentidão é devida à falta de racionalidade do processo penal brasileiro. É preciso simplificá-lo para evitar a indústria da procrastinação, que lança mão de recursos apelatórios infindáveis para adiar ao máximo a sentença. Aí será preciso a ação do Legislativo para fazer esse enxugamento. A idéia da súmula vinculante vem sendo vendida como uma das providências eficazes. Há dúvidas sobre isso, pois prejudicaria o papel do juiz da primeira instância que é, de fato, o que tem maior condição de fazer um julgamento mais justo, por se encontrar mais próximo do cenário do crime. Haveria outros meios mais apropriados.
Outro elemento que ajudaria a desobstruir o andamento dos processos seria o controle externo do Judiciário. Os juízes devem ser obrigados a prestar contas dos prazos dos processos e justificar porque ele emperrou. Trata-se de um elemento de transparência importantíssimo para o cidadão, o que faz a sociedade se impacientar com a resistência da alta cúpula do Judiciário em se submeter a um controle social, como ocorre com os outros poderes. A recomendação da ONU, portanto, deve ser recebida como uma contribuição importante ao aperfeiçoamento das instituições brasileiras.