ATENTADO TERRORISTA
Decreto nº 3979, de 23 de outubro de 2001
( Publicado na Revista Consulex 116, de 15 de novembro de 2001
Leon Frejda Szklarowsky
leonf@solar.com.br
A Medida Provisória nº 2, de 24 de setembro de 2001, autoriza a União a assumir, pelo prazo de trinta dias, a contar de zero horas do dia 25 seguinte, a responsabilidade civil, perante terceiros, se atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves brasileiras, aqui ou em solo estrangeiro, causarem danos a bens ou pessoas. Faculta, ainda, que, por ato do Executivo, esta autorização seja prorrogada.
Determina, também, que competirá ao Ministro de Estado da Defesa atestar que o referido sinistro ocorreu em virtude desses ataques ou atos. Não obstante, caberá às empresas aéreas apresentar ao Ministério da Defesa, no mesmo prazo de trinta dias, o programa de segurança de vôo.
Sem dúvida, trata-se de matéria urgente e relevante, que não pode, absolutamente, aguardar o encaminhamento de projeto de lei, para manifestação do Congresso Nacional, de0 sorte que a medida provisória é o instrumento hábil, para sua disciplina, compatibilizando-se perfeitamente com as exigências impostas pela Emenda Constitucional nº 32, que alterou a Constituição. A situação de gravidade impõe-se por si própria, já que se assemelha ao estado de guerra não declarado.
Conquanto haja respeitáveis e doutas opiniões em contrário, a regulamentação da medida provisória, por decreto do Executivo, é perfeitamente lícita, visto que ela é lei, sem embargo de o ser, sob condição resolutiva. Seria absurdo que a Carta previsse, como de fato prevê, a edição desses atos, com vigência imediata, e não fosse possível regulamentá-la, o que seria uma contradição total, um verdadeiro paradoxo, já que sua execução poderia tornar-se inviável.
O texto legal deve ser interpretado, inteligentemente, de modo que não conduza ao absurdo, segundo o pensamento sábio de Carlos Maximiliano, ou, ainda na palavra lapidar do Ministro Sálvio de Figueiredo, a interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos, senão aplicar os princípios que informam as normas positivas”.
O Decreto nº 3 953, de 5 de outubro de 2001, foi baixado pelo Presidente da República, com o objetivo de regulamentar o disposto na Medida Provisória nº 2 cit., e determina a assunção, pela União, da responsabilidade civil, perante terceiros, na hipótese de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, e fixa o montante da indenização, ou seja, limita-o ao maior valor estabelecido pelos países estrangeiros nos quais operam empresas aéreas brasileiras.
Note-se que o limite coberto por cada empresa dependerá do montante de seu seguro de responsabilidade civil contra terceiros, alicerçada na sua posição do dia 10 de setembro de 2001. Entretanto, essa responsabilidade somente será eficaz nos sinistros superiores a cento e cinqüenta mil dólares
O Decreto nº 3 979, de 23 de outubro de 2001, prorroga, por mais trinta dias, esse prazo, porém adverte que, para a assunção desses riscos, as empresas aéreas deverão cumprir todas as medidas dos planos de segurança de vôo vigentes, além do programa de vôo exigido pela citada medida provisória.
O diploma faz, com muita propriedade, referências a danos a bens e pessoas (terceiros), no solo. Vale dizer sua abrangência é total. Não há qualquer restrição. As pessoas serão os passageiros, a tripulação ou terceiros, podendo até ser os encarregados de limpeza e quem quer que tenha sido atingido, naquelas circunstâncias. Não só as aeronaves, mas também outros bens danificados.
A conditio sine qua é que os atentados terroristas ou os atos de guerra se dirijam contra aviões de empresas aéreas brasileiras, onde quer que estejam. A lei brasileira oferece proteção total.
O Estado está, deste modo, exercendo seu papel supremo, ao tutelar os interesses de seus súditos.
Contudo, questão de suma importância impõe-se e merece ser considerada. Não há previsão no diploma legal de atentados ou atos de guerra contra aeronaves privadas. Ora, os bens tutelados são do mesmo grau. Deve, pois, sem mais delonga, o Estado brasileiro propiciar-lhes a mesma salvaguarda, exigindo, no que couber, as mesmas cautelas, programas e planos de segurança de vôo. Por analogia, há que se emprestar este texto para a hipótese narrada.
Outra falha da medida provisória diz respeito à não exigência expressa de fiscalização do cumprimento da apresentação do programa e plano de segurança de vôo. Não obstante, há de se concluir que isto se deveu, por estar aquela implícita. Se por ventura ocorrerem os atentados e os atos de guerra e a empresa não houver tomado as devidas providências, a responsabilidade será da União, visto que terceiros não deverão ser penalizados pela omissão do Poder Público.
Não se entende o por que da limitação dessa responsabilidade ao curto prazo de trinta dias, agora dilatada por mais esse período, pois, desafortunadamente, esses atos podem acontecer a qualquer momento, sem data certa e prolongar-se indefinidamente.
Os Estados Unidos da América foram atingidos, em seu coração, por ações que envergonham o gênero humano, ceifando vidas de pessoas inocentes, oriundas de todos os rincões da Terra.
Preocupados com as conseqüências desastrosas, sobretudo com relação aos civis e a seus bens e à economia do país, procuram amenizar essa realidade dramática, assumindo o encargo da indenização e o Brasil também o fez, embora restritamente. A sociedade humana não está sujeita apenas a esta praga. O efeito da guerra bacteriológica é tão nefasto quanto a atômica. Pior ainda é o medo tornando o homem prisioneiro de si mesmo e impedindo-o de viver normalmente.
Todos os países têm-se unido, em uníssono, contra o terrorismo, essa insanidade monstruosa, pois, se a causa por que lutam os terroristas, poderiam, a priori e apenas ad argumentandum, ser justa, deixa de sê-lo, no momento em que vidas humanas são massacradas indistintamente, nações são devastadas, os bens danificados e a humanidade despedaçada. Não se alegue que as guerras também têm sido a fonte direta desses estragos, em todos os tempos, nem que a miséria ou a injustiça e a má repartição das riquezas justificariam esses desatinos. Isto não passa de sofisma condenável, sob todos aspectos.
Seria, na verdade, permitir o combate de um mal por outro, mais hediondo e terrível, negando-se os princípios da razão, da moral ou da religião e do Direito, arrastando o ser humano para a era das cavernas e destruindo milhares de anos de civilização.
O terrorismo, sob qualquer forma, deve ser punido, severamente, com todas as forças. Não importa de onde venha, se do Estado ou de grupos, pois não se trata de crime político.
Não obstante, não se pode confundir o povo com esses criminosos insensíveis e desumanos, para não retrocedermos a um dos momentos mais tenebrosos e cinzentos da História, quando os nazistas cometeram o genocídio e, mais recentemente, populações indefesas são aniquiladas ou dizimadas, sem contar os Átilas ou Gengis - Khans de todos os tempos.
A ONU não se tem descuidado, conquanto tímida tem sido sua postura, apesar dos inúmeros instrumentos legais existentes.
O legislador constituinte brasileiro, na carta de princípios fundamentais, repudia frontalmente o terrorismo e fixa, entre os direitos e garantias fundamentais, que a lei o considerará crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, vindo, afinal, a ser contemplado pela Lei 8072, de 25 de junho de 1990 .
Trata-se, segundo ensina Valdir Snick , de crime organizado e é praticado por quadrilhas. Em significativo comentário ao inciso XLIII do artigo 5º da Lei Maior, Celso Bastos admite que esse dispositivo contém todos os ingredientes para sua execução imediata, justificando-se sua auto-aplicabilidade .
Em conclusão, fez bem o Estado brasileiro dar a proteção ao seu súdito, apesar de sua estreita aplicação. Merecem os atos de terrorismo a mais veemente repulsa da sociedade organizada.
Quando a vida humana, bem mais precioso entre todos os demais, nada mais vale, é sinal de que o homem deve parar e fazer profunda reflexão, porque chegou ao fundo do abismo e há que se repensar o sentido de todas as coisas!