A CARTA DE 88 E O VEXAME DAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS
(Publicada na Prática Jurídica 7, de 31 de outubro de 2002)
A democracia é o governo do povo pelo povo e, apesar dos males que apresenta, ainda não se descobriu nada melhor, pois o remédio amargo é, quase sempre, o curativo para enfermidades de suma gravidade.
A Constituição brasileira, de 5 de outubro, em seu preâmbulo, indica o sinal que marcaria de vez o Estado brasileiro, após a Constituinte de 1988, fazendo o povo reaprender a palmilhar a estrada que, por alguns instantes históricos, lhe fora barrada.
Os pontos fundamentais desse Documento estão inscritos na página de abertura para incutir no brasileiro os momentos maiores que levaram o legislador constituinte a escrever uma das mais belas aspirações da história pátria.
Instituiu o Estado democrático, consagrando valores fundamentais, como o exercício dos direitos sociais e individuais, a igualdade e a justiça, como resultado de uma sociedade fraterna e pluralista, despida de preconceitos, quaisquer que sejam.
O fundamento e a fonte em que se assenta estão sediados na harmonia interna e externa, pretendendo sempre que a solução das controvérsias se faça de forma pacífica.
Sem dúvida, os exageros estiveram presentes (e como!) e, decorridos doze anos da promulgação da Carta, cujo aniversário se comemorou sem festas ou badalações, talvez porque ninguém se lembrasse, muito pouco se fez, mas esse pouco demonstra que o povo brasileiro, sem embargo das agruras por que passa e da tristíssima realidade que o atormenta, ainda é capaz de sonhar e lutar pelo mínimo que lhe possa proporcionar o bem-estar que a Carta lhe ofertou e ainda não se tornou efetivo.
A somatória de tudo isto vem traduzida na trajetória das eleições majoritárias e proporcionais que constituíram uma mostra da vitalidade do povo e das mudanças que poderão, eventualmente, ocorrer, de modo pacífico como quer seu preâmbulo. Não importa que não satisfaça a todos, mas importa, sim, que a manifestação se faça livre e absoluta.
A Constituição já recebeu 44 emendas, o que demonstra sua fragilidade, ao invés do vigor que parecia emanar de suas entranhas e das inúmeras PECs que engalanam os armários do Parlamento e de tantas outras que estão por vir.
Algumas, é verdade, foram bem recebidas, como a limitação das medidas provisórias, que, se bem utilizadas, teriam substituído os famigerados decretos-leis, com muita alegria, porque necessárias e, sem dúvida, democráticas, visto que o Congresso pode rejeitar, no todo ou em parte, emendar e transformá-las em projetos de leis e até aprová-las como vieram do Executivo. Não se amaldiçoem as pobrezinhas, porque países democráticos do primeiro mundo também as têm.
Não obstante, as eleições proporcionais, recém-realizadas, projetam a necessidade da imediata alteração da lei constitucional e da lei eleitoral, para que se não viva novamente o vexame de preencher o Parlamento com deputados pobres de votos em detrimento daqueles que, apesar de tantos milhares ou milhões de eleitores os terem consagrado, não poderão representá-los, simplesmente porque a malfadada lei não permite.