A REFORMA TRIBUTÁRIA PARA UM NOVO SÉCULO
Leon Frejda Szklarowsky*
Há dois milênios, o economista hindu, Ratuya, já ensinava que a base de todo empreendimento são as finanças, ligando-se indelevelmente ao destino do Estado a despesa e a receita.
Sem embargo de o Estado Moderno abeberar-se noutras receitas, não menos relevantes para os países em desenvolvimento, como os empréstimos externos e outras receitas, indubitavelmente os créditos tributários constituem fonte de suma importância, para a satisfação das necessidades públicas, sujeitos, contudo, à rigidez do primado da legalidade que, desde o Rei João Sem Terra, alicerça-se no princípio básico: "no taxation without representation”, do qual o Estado Moderno não deve absolutamente afastar-se.
Ives Gandra da Silva Martins cataloga-o como o terceiro elemento do tributo.
Na Roma antiga, acha-se incrustada a experiência multissecular de um sistema tributário, que ofertou inúmeros tributos, ainda hoje destacados por muitos países.
O sistema fiscal é, na lúcida observação de L. Reboud, a. projeção da estrutura econômica e social, pressupondo um sistema impositivo ideal uma combinação de impostos que assegure a satisfação das necessidades, tendo em vista os princípios fiscais fundamentais, na ensinança de Ricardo Calle Sáiz e Adolfo Wagner.
Günter Schmolders concebe um sistema fiscal preciso, matemático, calçado na inter-relação e interdependência entre os diversos impostos, isto é, na coordenação dos diferentes impostos com o sistema, econômico dominante e com os fins fiscais e extrafiscais do tributo.
Pierre Beltrame assevera que a tipologia dos sistemas fiscais pode assentar-se ou sobre critérios aparentes ou externos (v.g., carga fiscal, natureza dos impostos cobrados), ou sobre critérios internos (v.g., fundamentos sócio-políticos ou sócio-econômicos destes sistemas) , de sorte que o legislador deve ser extremamente cuidadoso, porque o imposto é, para G. Ardant, o índice e o guardião da liberdade.
SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O atual Sistema Tributário Nacional nasceu com a Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, porquanto o sistema anterior pecava pela ausência de harmonia entre as diversas tendências, aspirações e necessidades dos vários entes político-constitucionais , tendo a Constituição de 1967, no dizer de Bernardo Ribeiro de Moraes, estruturado o poder fiscal com a discriminação das rendas tributárias.; demarcado, com muita precisão, a limitação desse poder fiscal outorgado às entidades impositivas, e, finalmente, encravado as garantias individuais que servem de suporte a esse mesmo poder fiscal .
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, abrigou os princípios fundamentais da Emenda n. 18, de 1965, consolidando os impostos de idêntica natureza, em figuras unitárias, definidas por via de referência às suas bases econômicas, antes que a uma das modalidades jurídicas que pudessem revestir, e concebendo um sistema tributário como integrante do plano econômico e jurídico. A discriminação de rendas é inflexível e exaustiva, conquanto não seja incomunicável.
O Código Tributário Nacional, editado em 1966, como lei ordinária, mas erigida posteriormente em lei complementar, por força da Constituição de 1967 e da Emenda n. 1/69, e ainda do Ato Complementar n. 36, de 13 de março de 1967, passou a ser o elemento consolidador do ideário de um sistema definido, iniciado em 1965, com a Emenda nº 18.
A Carta Política, de 1988 , dedica ao sistema tributário o Capítulo I do Título VI e desenha, na Seção I, os princípios gerais, atribuindo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o poder de instituir os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.; entretanto, só à União compete a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de atuação nas respectivas áreas
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão criar contribuições, cobradas de seus servidores, para o custeio, em seu benefício, de sistemas previdenciários e de assistência social.
O artigo 149 é bastante incisivo e foi modificado pela Emenda Constitucional 33, de 2001, que transformou o parágrafo único em § 1º e acrescentou-lhe três parágrafos.
A União, mediante lei complementar, pode instituir, empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência, bem como no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Neste último caso, deverá obediência ao princípio inserto no inciso III, b, do artigo 150, ou seja, fica vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
A permissão para instituir os tributos e as contribuições está jungida aos princípios e às limitações impostas nesse Título e a outras garantias asseguradas, implícita ou explicitamente, ao contribuinte.
O princípio fundamental da legalidade tributária, que é estrita no Direito Tributário, vem hospedado, solenemente, pelo inciso I do art. 150, verbi gratia:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
O artigo 150 sofreu alterações impostas pela Emenda Constitucional, nº 3, de 1993.
A Constituição vigente é mais rigorosa que a anterior, porque exige lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente, sobre a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, e sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários, tratando de forma enérgica e induvidosa a matéria.
Estanca, de vez, possíveis indagações quanto à área de sua incidência, sem, entretanto, fechar as comportas para outras hipóteses, vez que o advérbio especialmente foi editado pela Subcomissão da Constituinte para não tornar exaustivo o elenco proposto no inciso III do art. 146.
É a consagração plena e solidificada do princípio da legalidade, que ficou sumamente fortalecido (artigos 150, I.; 49, V.; 68, § 1º.; etc.).
A lei complementar prevista, na Lei Máxima anterior , era por demais genérica, quando mandava estabelecer normas gerais de direito tributário, dispor sobre os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regular as limitações constitucionais do poder de tributar.
O Texto atual introduziu sérias e profundas alterações no sistema até então vigente e contribuiu, com perdas notáveis na receita da União, em favor dos Estados e dos Municípios, com o que, efetivamente, deverá ocorrer, no mais breve tempo, a transferência de encargos e compactação da estrutura federal, sob pena de se inviabilizar essa reformulação produzida pela Constituição.
O sistema tributário brasileiro atual é uma colcha de retalho, quase um farrapo do que era, e que a poucos é dado compreender, dada a diversidade e extrema dificuldade de sua aplicação, bastante onerosa e burocratizada, provocando brutal injustiça tributária e, por via de conseqüência, a sonegação e a corrupção desenfreada que devem ser combatidas a todo custo. Não existem milagres. É preciso, todavia, a vontade política para iniciar, de vez, essa reforma.
A verdadeira reforma tributária ainda está por vir , para marcar, definitivamente, os pontos cardeais do sistema tributário. Oxalá, ela se realize, brevemente, ultrapassando os entraves burocráticos e políticos em que se esbarra.
A Constituição vigente foi alterada 44 vezes, por 38 emendas comuns e 6 de revisão, tendo sido remexida, na parte que diz respeito ao sistema tributário, 10 vezes, projetando, sem dúvida, a fragilidade de nossa Carta, que se pensava duradoira, sem retoques.
Dez Emendas à Constituição, desde a promulgação da Carta de 88, alteraram o sistema tributário desenhado, de sorte que este, na verdade, não passa atualmente de arremedo do que foi ou pretendera ser.
O que se fez, por meio dessas mudanças, nada mais foi do que onerar cada vez mais o contribuinte e vergar a espinha dorsal do Sistema que, por si só, já não era o ideal.
A Emenda de Revisão nº 1/94 instituiu o Fundo Social de Emergência, visando sanear financeiramente a Fazenda Pública e a estabilização econômica. Permaneceu por dois exercícios. A EC 3/93 alterou os artigos 155 e 156 da CF. A EC 12/96 criou a célebre CPMF, que poderia ter sido o início de uma verdadeira reforma tributária, mas não o foi. Constitui-se, isto sim, em mais um tributo. A EC 17/97 reinstituiu, para os exercícios de 96, 97 a 99, o Fundo Social de Emergência. EC 21/99 prorroga a CPMF e altera a alíquota desse tributo. A EC 31/2000 cria o Fundo de Erradicação de Combate e Erradicação à Pobreza.
Enquanto isto, vaga no Congresso Nacional a PEC 175, de 1995 (Mensagem 888/95), que altera o capítulo do sistema tributário, sem qualquer perspectiva de aprovação visando o aprimoramento da instituição e a cobrança de tributos, além da Proposta de Emenda à Constituição do Deputado Marcos Cintra e outros, instituindo o Imposto sobre Movimentação Financeira, para substituir os demais tributos de natureza predominantemente arrecadatória e ampliar a proteção do contribuinte contra inovações tributárias e tem em vista aperfeiçoar o sistema tributário nacional e estabelecer normas de transição.
Por outro lado, atentando-se para o Plano do novo Governo, ao tratar da reforma tributária, este acena com perspectiva otimista e efetivamente razoável, ao declarar que a primeira das reformas que se fará, ainda no primeiro ano de mandato, é a tributária e tem como meta o aumento da eficiência econômica e a redução das desigualdades sociais através de distorções na área tributária, , o que não deve significar taxar uns em detrimento de outros, sob a falsa medida de igualar os desiguais, prosseguindo, assim, na linha da injustiça fiscal.
Pois bem, pretende a simplificação do sistema tributário nacional, pondo fim à cumulatividade das contribuições e a redução da carga tributária incidente sobre a produção dos assalariados de baixa e média renda, além da modernização e profissionalização da Receita Federal e a simplificação da legislação infra-constitucional, para combater a sonegação e a elisão fiscal.
Esta é a grande oportunidade para por fim à injustiça fiscal e, por via de conseqüência, barrar de vez a sonegação e a corrupção.
Todos os projetos apresentados esbarram na mesma tecla. Ao invés de simplificar e desonerar o contribuinte, cada vez, mais se torna ele prisioneiro do emaranhado de complexas normas tributárias e encargos ascendentes e multiplicadores, produzindo a mais nefasta e absurda colisão de interesses da sociedade.
O plano do Governo que se está instalando, no que diz respeito à reforma tributária, apresenta, como filosofia, um progresso, sem dúvida, muito grande, em relação ao que até agora foi proposto e dorme nos corredores do mais elevado Poder Legislativo da República.
Não obstante, é preciso aparar as arestas, fruto, naturalmente, de preconceitos que, atualmente, não têm mais sentido, num universo que está a desafiar o estadista, em busca de novas fórmulas que se adaptem à sociedade em constante e veloz transformação.
O que prestava, há menos de uma década, já hoje se mostra completamente inadequado, ultrapassado e fossilizado. O mundo atual é bem diverso daquele em vivêramos. Estados que se mostravam sólidos desmoronaram, por completo, sem uma gota de sangue e as ideologias que, no século passado, incendiavam o cérebro e as mentes de milhões não têm mais nenhum significado, a não ser como reminiscência histórica.
A Medida Provisória 66, de 29 de agosto de 2002 (PLCv 31/2002), em vigor desde sua edição, até que o PLCv se converta em lei, ex vi, do § 12 do artigo 62 da Constituição, em nada minora a situação do contribuinte. Muito ao contrário.
REFORMA TRIBUTÁRIA ATRAVÉS DO IMPOSTO ÚNICO
A idéia de se implantar o imposto único encontra cada vez mais adeptos em vista da simplicidade e facilidade de sua implantação e arrecadação, evitando-se desta feita as conseqüências nefastas de um sistema carregado e oneroso. Que não seja, porém, mais um imposto, entre tantos, que existem e sobrecarregam o súdito, como o é a CPMF.
A carga tributária no Brasil é brutal: uma das mais elevadas dentre todos os países. O rol de impostos, contribuições e taxas é assustador, na órbita federal. Os custos e a burocratização na arrecadação constituem o problema quase insolúvel.
Como afirmava Roberto Campos, os projetos apresentados conseguem apenas aprimorar o obsoleto e Ives Gandra da Silva Martins lamenta que, em quarenta anos de atividade, deparou-se com o que há de pior.
Marcos Cintra, no voto em separado, à PEC 175-B, DE 1995, sustenta que a sociedade não tolera mais a deterioração, a irracionalidade e a ineficiência a que chegou o sistema tributário, sem falar na iniqüidade e sobrecarga a que estão sujeitos os contribuintes.
Contudo, a idéia do imposto único não estará completa se não atingir as esferas estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, sem embargo da dificuldade de sua imposição, devido ao sistema federativo brasileiro. Cabe, pois, ao legislador engendrar uma fórmula capaz de, sem quebrar a espinha dorsal do molde institucional da Federação, realizar, por fim, a redenção do sacrificado contribuinte brasileiro.
Não é crível se resolvam os problemas no âmbito federal, mas se deixe a brecha nas outras esferas. É como dar com uma mão e tirar com a outra.
Vivemos o momento exato, para operar-se essa reforma. Não há como procrastinar, sob pena de, mais uma vez, o País se debruçar em berço esplendido e sofrer profunda frustração e nada mais!
A citada PEC, sem embargo dos bons propósitos do Deputado Marcos Cintra, digna de todos os encômios, merece uma reformulação total.
Vale dizer, a reforma do sistema deve abranger todo o Capítulo I do Título VI da Constituição e não apenas parte dele, para dar-lhe perfeita unidade e harmonia e cerrar as comportas autorizadoras de novos impostos ou contribuições que se pretende extirpar de vez, sob pena de não ser atingido o alvo pretendido.
É preciso, pois, aproveitar o afã do novo Governo que pretende simplificar o perverso sistema tributário vigente e considerar propostas revolucionárias, como a do imposto único, devidamente aperfeiçoada.
As reformas devem acontecer, sem dúvida, preservando-se os direitos e garantias fundamentais, conquistados a duras penas, em séculos de civilização, tendo os governantes a obrigação de zelar por eles e não destruí-los. Nada justifica seu esmagamento em nome da boa causa ou por razões de Estado, tão comum nos Estados totalitários, de saudosa memória.
A verdadeira justiça tributária consiste em cobrar tributos de todos, não apenas de alguns, sempre com moderação e respeito às citadas diretrizes.
Um sistema que se preze deve fundar-se na simplicidade. Este é um princípio de fundamental significação, com a redução do ônus administrativo do governo e do custo administrativo do contribuinte.