Ah! Nega. Tua vontade não.
Não a tua
Queira ou não,
O mundo te corrói
Te racha os pés.; a terra, o sol, a água
Estoura as veias das tuas pernas.; os morros, as ladeiras
Te impreguina o ventre
Com o fruto da desonra, da violência, do amor
Te murcha o peito de tanto leite derramado
Dado ao feto alheio.
Te engrossam as mãos.; os tachos, a lenha, os espinhos
Te mudam a fala.; palavras, rezas e madames
O centauro das plantações
Solta fumaça
Queima de saudade teu coração
Queres voar como Ïcaro
Queres tua terra, tua gente, tua vida
Ah! Nega.
Chora, sofre, te mata
Em silêncio pois teu senhor dorme
Te lança na labuta do dia-a-dia
No açoite, no tronco, no canavial
Canta, dança, Olodum
Foge e volta
Mas Nega, por quê?
Por quê nunca deixas este olhar tão puro
Tão cheio de esperança?
1992
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