pois é, Sam,
aqui não há desertos para se atravessar
num Cadillac vermelho conversível,
ouvindo o grito das estrelas
como nesses road movies
de poeira e asfalto.
aqui, meu velho, a solidão
é uma ordem de despejo
que dói primeiro na alma,
como um soco bem dado na cara.
ando fodidamente apaixonado,
bêbado e infeliz, confundido
com essas sombras que vão saindo
de dentro de um blues muito antigo,
roendo a noite, devorando a noite,
essa noite vadia e desabitada
em que quase me desprezo
a ponto de cuspir, com raiva,
no sorriso idiota do outro
que me olha, encarcerado, no espelho
e acredita
que ainda há saídas.
na verdade, Sam,
anda tudo tão-caos, tão-cão
que, se não fosse essa covardia escrota,
ensaiaria um passo de dança, um vôo-livre
- pássaro de cinco asas -
num copo de vodca e barbitúricos,
no banheiro imundo de um motel perdido,
ouvindo a trepada impossível
do casal do quarto ao lado.
ando fodidamente apaixonado, Sam,
entre um uísque barato
e uma mulher sem nome,
desejo e repulsa, inferno e céu,
e agora, não ria, dei pra achar bacana
até uns boleros de Ravel.
assim, meu velho, quer dizer,
do jeito que vão as coisas sem que eu vá com elas,
melhor estar morto na próxima cena.
e o nome disso, talvez, como saber?,
ainda seja amor.
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