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Poesias-->Porque Acredito em Anjos -- 05/09/2003 - 16:30 (Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior) |
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Porque Acredito Em Anjos
Paulo Coelho nos contou, entre assombrado e maravilhado,
Sua experiência com um anjo numa caminhada no deserto.
Creio eu também em anjos, pois muitos eu já os vi.
Sem precisar de nos desertos vagar, nem de percepção extra-sensorial.
Nem a necessidade de dobrar os joelhos e rezar houve.
Avistei anjos, miríades incontáveis habitando nossa terra.
Onde eu nasci os anjos todos os dias surgiam.
Em maternidades sujeitas a todos os tipos de infecção,
Mulheres esquálidas dão a luz a frágeis crianças desnutridas.
Sem linha para sotura, essas Marias que não são virgens
Ficam com as barrigas abertas às bactérias
Negociando com a morte a saída da maternidade.
Essas crianças que têm o tamanho de uma boneca Barbie,
Não têm as bochechas coradas e as roupas de sonho.
São crianças envoltas em trapos já usados.
São os anjos da Baixada Fluminense.
Diversos caminhos trilham estes meninos para o céu.
O primeiro e mais rápido é o da infecção hospitalar.
Fedelhos mal nutridos ocupados por hordas de vírus.
Médicos mal remunerados acostumados ao espetáculo
De pequenos corpos a dar lucro às funerárias.
Olhos que só viram desse mundo
As paredes mal caiadas dos hospitais públicos.
Porém mães há que ainda têm o prazer de ninar
No colo o filho, já em seu lar.
A fome começa então sua obra diabólica
Crianças raquíticas, pequenas, chorosas.
Pés que deslizam na vala negra.
Mãos que se abrem, braços que se esticam
No clamor inútil por pão.
Meninas vestidas com blusas colegiais
Que são farrapos de outros anos de estudo.
Pedidos de um pedaço de lápis na porta da escola.
O estômago comanda a cabeça,
Que não vê Eva, nunca viu uva,
Só o desejo enorme de aplacar
Essa vontade imensa de por alguma coisa na boca.
Algo que alivie a tontura da cabeça,
A fraqueza nas pernas, a azia na barriga,
A secura na boca e o medo de tudo.
A sineta da merenda é o sinal da alegria.
Para a maioria das crianças,
A rala merenda é a melhor, ou a única refeição do dia.
Esses anjos da fome apanham pelo simples fato de existir.
Ora tomam tapas, ora recebem beijos.
Mães gordas e famintas, filhos magros e barrigudos.
A fome vai matando, aqui, aqui, aqui!
Não é necessário, ir à Etiópia, à Índia, ao Haiti, à Somália
Não é preciso voltar os olhos para o nordeste.
Basta você subir o morro,
Basta você descer a Baixada.
A fome é a maior arma que a burguesia tem.
E ela sabe muito bem usar.
Arranca a força de resistência das novas gerações,
Fabrica atestados de causa mortis que dizem:
Sarampo, tétano, difteria, catapora, gripe.;
Quando deveriam dizer. fome, miséria, indigência.
É assim que eu vejo anjos,
Milhares por ano na Baixada.
Alguns escapam do céu e viram homens
A viver do sofrimento e da tristeza.
Esses anjos todos fabricados
são os que eu me deparei no Brasil.
Não foi no deserto ou na igreja,
Sequer tinham asas esses meninos
Em seus caixões de 5° categoria.
Eram anjos na inocência, na desproteção,
Na desassistência,
No cometerem o único pecado de vir ao mundo.
São anjos "made in Brazil".
Vítimas dos demônios de nossas almas.
O demônio de nossa auto-suficiência, o demônio de nossa placidez em meio ao caos.
O demônio de nossa indiferença.
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