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Poesias-->CANTO DO CISNE -- 12/07/2003 - 15:47 (LUIZ ALBERTO MACHADO) |
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Você que passa todo dia à minha janela
Sequer ouve o meu gemido mudo
Sequer percebe a minha agonia
O meu jeito de me esvair pelo tempo
No presente tudo é como a primeira vez
Chega a bom termo no definitivo
Nunca mais dormir, oh dormir
Ando sem parar, sem cansaço
A minha alma terei sempre em minhas mãos
Você que passa todo dia à minha janela
Não vê o ocaso que finda
E que parece derradeiro ao meu desfecho
Me acudindo devagar
Você vem e passa
Você vai e se resguarda
Nem dá conta da minha solidão
Dos meus olhos se fizeram rios
Do meu coração, ilha solitária
E você sequer percebeu minha paixão
Me mantenho desafortunado
Se aproxima o meu e a minha morte
E estou cheio de dedos na minha clausura
No que pese a lembrança de alguém
Você que passa todo dia à minha janela
Não sabe que menti muito, menti demais
Tudo meu construído na mentira
E disso fiz a minha bandeira
Enganei a todos e me rio com isso
Menti para as minhas crenças
De que o outro lado é o mesmo deste
E ambos se confundem
Que lá em cima se assemelha aqui em baixo
E talvez aqui seja em cima
Muito embora eu não saiba
Você não sabe do meu delito
Do meu último canto
Do meu panurgismo exacerbado
Tentei fugir da loucura
E matar minha própria miséria
E vender meu único poema
Meu cisne negro, minha avis rara
Tal Gaugin fui expulso
E ainda negam-me pão
E só agora dei conta da extinção da horas
Sempre atrasado a festejos
Não tenho que comemorar
No meu eterno cara ou coroa
Cada qual com sua cruz
Eu pelejei demais no meio da noite
Eu deixei meu verso no escuro
E fiquei só
E quando lá eu estiver
Do outro lado das coisas
Estarei rindo da desgraça de todos
Da coisa inócua que é defender a paz
Soltarei gargalhadas para os donos do mundo
Mangarei dos governantes e seus proselitismos
Sorrirei bastante para compensar outros choros
E se possível com um cigarro a longas tragadas
Deixarei minha carne
Com meus sonhos: a borboleta que teimava alcançar alturas não mensuráveis
E quando me der conta
Serei lagarta sem deus e sem saber de mim
As posses de nada valerão
O prêmio dos homens a mim outorgado virará cinzas simplesmente
A pecha a que me condenaram perderá vigência
E nem se lembrarão
Que me fui estelionatário
Que comprei a crédito e não paguei
Que infringi leis secundárias
Que cobicei a mulher do próximo
Que me peguei, em certas ocasiões, na gula
Que glorifiquei a luxúria
Que não tive um deus sequer para me alentar
Que chafurdei desde tenra idade
Que sedioso desde colegial
Que me fiz perdulário sem um tostão no bolso
Que forniquei com mulheres insones
E assumi todos os meus pecados
Ah! Você que passa todo à minha janela
Não sabe do poeta morto no quadrangular
E se um dia nos encontrarmos em plena Java
E lá o homem ainda seja o de Pequim
Com certeza ainda estarei feliz
No meu mais simples rincão
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