Conversando com um menina eu disse naturalmente com uma
naturalidade falsa que eu boemiamente dormia freqüentemente às três horas da
manhã, e ela num interesse que eu não entendia, me perguntou porque eu
ficava acordado até tão tarde, então eu falei querendo que aquelas palavras
fossem pra ela verdadeiras, que esses eram meus longos momentos de
angustias e reflexões, onde eu remoía os cacos dos dias, dos meses, dos anos,
rememorando as descobertas da inexistências de muros e do meu sentimento
de inexatidão e perplexidade da minha falta de direção, das lembranças das
idéias metafísicas e místicas que me deixavam triste, mas que me chegavam
como verdade, reflexões na madrugada sobre a minha incompreensão da
incompreensão de meu pai, que me julgava, sem saber porque eu agia daquele
modo fora de moda, pensava e pensava e me vinha a poesia gritando na minha
cabeça, histericamente, me dizendo — “Me escreva, me escreva, não durma e
me esqueça, descubra o ‘porque’ de minha vinda, diga um pouco do que
daquilo que é ou está”, então no breu da escuridão de meus olhos fechados e
na escuridão da luz desligada de uma lâmpada fluorescente, eu queria achar
meu lápis, como se fosse um antídoto dessa angustia provocada pelas
reflexões e gritos de um poema, como se fosse gente a pedir socorro, e eu
bebia desse remédio, e a febre amornava e então eu finalmente dormia, mas
ainda assim desassossegado como de um sincero torpor.
|