Não é rumor de correntes o que ouves.
São as sandálias puídas da mulher-antiga.
Levando consigo espasmos, horrores,
carícias, mãos infantis e faces rosadas.
Desce escada. Sobe escada.
Sozinha tocando o lado na porta.
Que esperas, que ouves, mulher-murmurante,
em sussurros como se aguardasses respostas?
Prossegue em peregrinação a mulher-andarilha,
andeja, andrajosa. As mãos enfurnadas no vestido roto
de flores caídas, pétalas desmaiadas.
Mulher-enjaulada. Caminha ao quarto,
deslizando as unhas por sobre a parede.
Senta-se ao banco. Inicia ritual.
Sai da alcova a mulher rediviva,
empertigada agora à janela. Lança olhar sobre o mundo.
A mulher-ausente.
Ninguém a vê? Ninguém sabe dessa mulher-vivente?
Não é rumor de correntes o que ouves.
É o ruído surdo dos tamancos da mulher-encurvada.
Entra na sala. À frente, o oratório.
Ritual: caem os cordões que há pouco lhe adornavam o pescoço.
O dorso da mão é um lenço, manchando-lhe a boca.
Fios negros escorrem dos olhos borrados.
Ajoelha-se a mulher-miserável,
abrindo em lamentos a blusa arfante.
Agarra o rosário, em contas brilhando.
Eriçam os cabelos, as veias lhe saltam.
Em dor se contrai, os dedos tremendo.
Queda-se ao chão. Rente ao piso
a face pisada da mulher-sibilante:
Ai, valei-me. Ai, socorrei!
|