A coisa ali tem uma voz,
Um voz contida no silêncio.
Contém um existir parado,
Algo por dentro e por dizer.
A coisa ali sem verbo exprime
Um modo próprio de mostrar-se,
Um ser interno impenetrável.
Olhar sem rumo a coisa muda
Tem como fim o decifrar-nos:
Dela ressuma um ar pedinte,
Um desejo esconso imutável.
Olhar parada a coisa em frente
Tem por sentido um exprimir-se,
Quase dizer-se ali presente.
A coisa assim nos questiona,
Imóvel, sem dizer-nos como.
Nela sentimos, ao fechar-se,
De ser-nos clara uma vontade.
A coisa, sem dizer-nos quando,
Tornou-se, ali, a sós num canto,
Ente sensível como nós.
A coisa também nos mira:
Dela somos o lado oposto...
A coisa ali vem inserir-se
No mundo nosso impermeável,
Dizer-nos tudo à alma impura
E, ao mesmo tempo, sem palavras,
Tornar-se nossa confidente.
Feira, 14 de outubro de 1999.
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