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Poesias-->Dos venenos e dos espelhos -- 09/07/2002 - 11:30 (Darques Lunelli) |
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DOS VENENOS E DOS ESPELHOS
O que sei de homens que buscam a fama
com a fúria dos deuses?
Onde andará Danilo, esbelto e belo,
em que cidadezinha, em que rua
ecoarão agora seus passos?
Pela alameda desfilam casais enamorados.
Percebes a alegria com que passam?
Bastaria que fingissem e tudo acabaria.
Quisera absorver a claridade das manhãs
para transformar o pó. Não:
tanto já é passado, declino
a incumbência de moldar a vida
às formas que antecipo,
jamais fui bom nessas tarefas:
meu azul é outro azul.
Eu nada sei sobre essas coisas.
Guardarei a visão dos espelhos,
guardarei a prisão dos medos
e as vontades aprisionadas.
Sei de um rosto envelhecido
e de têmporas prematuramente embranquecidas.;
de um par de olhos cansados
e lágrimas jamais choradas.
Foi noutro tempo que viveu aquele homem.
O menino de agora revê nos dias
o cárcere de então.
Sabem a velhice
suas palavras, soam como rosas murchas.
Uma noite não bastaria,
ou cem anos, para rememorar
os lamentos que se calam.
Será a morte que se avizinha
o alívio tão esperado?
Vê, não são cores ou brilhos o que destila a pena,
mas venenos adocicados.
Um sonho trazendo espanto e novidade
molda o tempo, modula a espera.
Noutro tempo, noutro tempo...
Mas para que viver de sobras, de farrapos
que a memória traz?
Agora soam os apitos dos trens
e o ensurdecedor motor do avião. Não há cavalos
ou bosques ou praças.;
não mais luvas esquecidas ou sorrisos de crianças.
Acabou. Um sonho em Dover
na voz do tenor amado,
três anos e oito meses depois da transformação.
Um sonho de braços que se estendem sobre o mar,
de lábios mordendo a alma,
de um quarto branco.
Da janela vejo a primeira folha que se lança
do alto de um galho velho.
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